18 July 2009

Theologian's statement on the Episcopal Church's decision to ordain homosexuals

Statement of Canon Kendall Harmon on the US Episcopal Church's General Convention's Resolution D025 (the Ordination of Homosexuals to the Episcopacy, Priesthood and Diaconate)

The passage of Resolution D025 by the General Convention of 2009 is a repudiation of Holy Scripture as the church has received and understood it ecumenically in the East and West. It is also a clear rejection of the mutual responsibility and interdependence to which we are called as Anglicans. That it is also a snub to the Archbishop of Canterbury this week while General Synod is occurring in York only adds insult to injury.

The Archbishop of Canterbury, the BBC, the New York Times and Integrity all see what is being done here. There are now some participants in the 76th General Convention who are trying to pretend that a yes to D025 is NOT a no to B033. Jesus' statement about letting your yes be yes and your no be no is apt here. These types of attempted obfuscations are utterly unconvincing.

The Bishop of Arizona rightly noted in his blog that D025 was "a defacto repudiation of" B033.
The presuppositions of Resolution D025 are revealing. For a whole series of recent General Conventions resolutions have been passed which are thought to be descriptive by some, but understood to be prescriptive by others. The 2007 Primates Communique spoke to this tendency when they stated “they deeply regret a lack of clarity” on the part of the 75th General Convention.

What is particularly noteworthy, however, is that Episcopal Church Resolutions and claimed stances said to be descriptive at one time are more and more interpreted to be prescriptive thereafter. Now, in Resolution D025, the descriptive and the prescriptive have merged. You could hear this clearly in the floor debates in the two Houses where speakers insisted “This is who we are!”

Those involved in pastoral care know that when a relationship is deeply frayed when one or other party insists “this is who I am” the outcome will be disastrous. The same will be the case with D025, both inside the Episcopal Church and the Anglican Communion.

D025 is the proud assertion of a church of self-authentication and radical autonomy.

It is a particularly ugly sight.
--The Rev. Dr. Kendall S. Harmon is Canon Theologian of the Diocese of South Carolina

16o Domingo Comum, Ano B, 19 Julho 2009

160 Domingo Comum, Ano B, 19 Julho 2009
Igreja do Bom Pastor, V.N. de Gaia
Cón. Dr. Francisco C. Zanger

Que as palavras da minha boca e a meditações dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti, Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor, em o nome do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo. Ámen.

Talvez ainda ninguém tenha chamado a vossa atenção, mas se ainda não tiverdes notado... não sou português. Sou estrangeiro. É verdade! Não é defeito de fala ou falta de educação: é mesmo sotaque e falta de vocabulário!
E sim, estou a brincar, mas estou a brincar por uma razão: na leitura da Carta do S. Paulo aos Efésios, que é ao mesmo tempo interessante e difícil, porque fala das coisas que devem ser, e que irão ser, mas que nem na época em que foi escrita foram, nem o são agora. Ao falar das diferenças entre os judeus, que eram os únicos monoteístas da região e talvez do mundo, e os pagãos do resto do Império Romano, Paulo disse que a morte e Ressurreição de Jesus criava pela primeira vez um só povo de Deus: que Jesus fez em si mesmo dos dois povos uma única humanidade nova, reconciliando-os ambos com Deus. Ouçam: “Cristo é a nossa paz: de dois povos separados fez um só povo. Com a sua morte ele destruiu o muro que os separava e os tornava inimigos um do outro, abolindo na própria carne a lei, os preceitos e as prescrições”[1]. Seria uma maravilha, se fosse verdade quer na altura quer hoje mesmo; será uma maravilha quando suceder... e vai acontecer. A primeira parte já aconteceu, claro: Cristo é a nossa paz, e dentro d'Ele, dentro do Seu Corpo, somos um só povo. Mas infelizmente, nós somos humanos, pecadores, e quando Jesus destruiu o muro da inimizade, nós substuímos as vedações de arame farpado.
Paulo, que era o Apóstolo dos Gentios, escreveu sobre o muro da Lei entre os Gentios e os Judeus, mas já teve problemas entre eles: originalmente, quando os Cristãos eram Judeus, os Judeus pensavam que os Cristãos eram somente uma seita herética, mas depois, quando eles começaram a baptizar Gentios, a coisa piorou muito. O primeiro grupo que perseguiu os Cristãos foram os Judeus do Templo: antes de se converter, S. Paulo, chamado ainda Saulo, foi um dos piores de todos[2]. Ele ainda estava do outro lado do “muro da inimizade”, que ele próprio afirmou, depois, já ter sido destruído pela morte de Cristo: do outro lado, apedrajando!
Bem, como é que podemos entender tudo isto? Se Jesus Cristo fez um só povo do mundo inteiro, dos Judeus que eram o Povo escolhido por Deus, e dos Gentios que eram os restantes povos do mundo (e foi isto que Paulo escreveu), que pena que Jesus tivesse feito tudo isto sem que os povos do mundo o notassem!
Não... não é uma pena. É um pecado. É o nosso pecado.
O problema não está somente em nós não termos fé suficiente em Deus: não temos fé suficiente em nós próprios. Somos inseguros, ansiosos. É a versão do pecado pior de todas, o pecado que é a raiz de todos os outros: o orgulho. Nós pensamos que precisamos de ser perfeitos, e se não podemos aperfeiçoarmo-nos, ao menos precisamos de ser melhores do que os nossos vizinhos. “Se alguém souber que não sou perfeito, ninguém me vai amar.”
Quando o Anjo Lúcifer, ele que era o mais lindo dos anjos, cujo nome significa “Luz”, se insurgiu contra Deus e foi derrubado, atirado dos céus à terra, perdeu não só o seu nome — Lúcifer tornou-se Satanás — mas perdeu também todo o seu poder angelical, menos a sua língua dourada, a sua língua viperina... ainda pode mentir, confundir e persuadir. É por isso que lemos que Jesus, depois de ser baptizado por seu primo, S. João Baptista, foi conduzido ao deserto pelo Espírito, para ser tentado três vezes pelo diabo[3]. Satanás, que sabia bem que Jesus era verdadeiro homem, esqueceu-se que Jesus também era verdadeiro Deus, e as palavras de rejeição que Jesus proferiu são em si mesmas uma recordação: “Não tentarás o Senhor, teu Deus”[4], e “Vai-te, Satanás! A Escritura diz, ‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás”[5]. Mas Jesus era Deus, e não só homem: Satanás ganhou o nome de “O Tentador” quando enganou dois que eram não só homens, mas inocentes.
No terceiro capítulo do Génesis, Satanás entrou na serpente, o mais astuto dos animais criados por Deus: entrou para tentar os primeiros homens, Eva e Adão, no Jardim. Só havia um fruto proibido no jardim: o da árvore do conhecimento do bem e do mal. O fruto desta árvore podia chamar-se ‘o fim da inocência’. Sem o conhecimento do bom e do mal, eles não podiam escolher o mal sobre o bem: não podiam pecar. E Satanás não queria um mundo sem pecado.
Então, Satanás entrou na serpente para fazer a sua maldade, bem como, muito mais tarde, entrou em Judas[6], e Judas traiu o Senhor. A serpente disse à mulher que, se comessem o fruto proibido, “ficarão a conhecer o mal e o bem, tal como Deus”[7]. Satanás não disse que o fruto poderia dar quaisquer “superpoderes”... só que eles poderiam ser “tal como Deus” em termos de sabedoria. Eles não queriam mostrar ignorância em frente de Deus: não queriam ser os mais ignorantes no seu pequeno mundo.
Até os nossos primeiros pais eram inseguros, ansiosos, tal como nós. No universo inteiro, Adão e Eva só conheciam Deus, mas sabiam que Deus era muito melhor, mais sábio, mais forte, mais tudo do que eles... e tornaram-se inseguros.
Agora que já não eram inocentes, não podiam ficar no jardim paradisíaco, e Deus mandou-os embora para se frutificarem e multiplicarem no mundo que Ele fez. Os seus filhos e netos e bisnetos e trinetos encheram o mundo, mas eram também inseguros, pois sabiam que nunca poderiam ser perfeitos. Satanás nunca deixou fugir uma oportunidade: o seu novo truque é até melhor do que o anterior. Em vez de enganar-nos, insinuando que podemos melhorar-nos, desobedecendo a Deus, a nova mentira demoníaca é até pior: que nós já somos melhores do que os outros: que as pessoas diferentes, quer doutro país, quer doutra cor de pele, quer doutro modo de louvar o Senhor, são piores, são estúpidas, são ‘menos humanas’ do que nós.
Enquanto o Grande Mentiroso conseguir persuadir umas pessoas, feitas por Deus e à Imagem do próprio Deus, de que outras pessoas, igualmente feitas por Deus e à Imagem do próprio de Deus, têm menos valor aos olhos do mesmo Deus, só Satanás sai vencedor. Na história da humanidade, não houve, nem há, guerra nenhuma, perseguição nenhuma, escravatura nenhuma, conquista nenhuma, em que o instigador e o vencedor não seja... Satanás. Ele é militante de cada partido, sócio de cada clube, general em cada exército... e bispo ou pândita ou pastor ou imã ou rabino de cada grupo religioso que ensine o ódio em vez do amor, em qualquer lugar onde um grupo disser que eles são os melhores, ou os mais importantes, ou os mais amados por Deus do que qualquer outro grupo.
“Cristo é a nossa paz: de dois povos separados fez um só povo. Com a sua morte ele destruiu o muro que os separava e os tornava inimigos um do outro. Aboliu na própria carne a lei judaica, os preceitos e as prescrições. Deste modo, ele queria fazer em si mesmo dos dois povos uma única humanidade nova pelo restabelecimento da paz, e reconciliá-los ambos com Deus, reunidos num só Corpo pela virtude da Cruz, aniquilado a inimizade.”[8]
A lei judaica que Cristo aboliu não tinha nada de mal: foi dada aos israelitas pelo próprio Deus. No plano da Salvação, não era má: era necessária. De todos os povos do mundo, Deus escolheu os Judeus, um povo pequeno, sem poder político, mas com uma força interna e eterna maior do que qualquer outro. Que outro povo teria podido sobreviver mais de dois mil anos sem país próprio, com perseguições, escravatura, com os genocídios dos Assírios e Romanos, do Nazismo e Estalinismo?
Deus escolheu os Judeus, e deu-lhes a Lei, para ajudar o seu povo a aprender quem era Deus: que o verdadeiro Deus que criou o Universo não era o mesmo que os deuses pagãos. Isto levou muito tempo: o Antigo Testamento, uma mistura de história e poesia, teologia e manuais jurídicos, genealogia e ritos religiosos, entre outras coisas, é também a narrativa dum parentesco, de uma relação durante a qual o povo escolhido aprendeu, pouco a pouco, sempre mais sobre o seu Criador.
É uma relação que começou com as palavras, “Faça-se luz!”[9], e como nós sabemos, no início da Criação, o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus; tudo foi feito por Ele, e sem Ele nada foi feito[10]. Os Israelitas moravam em conjunto com os outros povos do Médio Oriente, povos que tinham uma multidão de deuses, e habitualmente não diziam ‘não’ aos sacrifícios humanos. Estes deuses, como Baal e Asserás, deuses masculino e feminino dos Cananeus, queriam servilismo e subserviência dos seus crentes, e não somente obediência e humildade. A Bíblia Hebraica, o nosso Antigo Testamento, é um testemunho disso mesmo: o testemunho de um Deus que não era igual aos deuses dos outros povos. O entendimento dos israelitas precisava de crescer, pouco a pouco, do tempo de Abraão e Isaac, quando primeiro aprenderam que Deus não quer sacrifícios humanos[11]; o desenvolvimento do entendimento no Livro de Josué, onde Deus é ainda um deus de guerras e batalhas[12], até ao de Amós, o profeta que Deus mandou para castigar os ricos, em que “compraremos os infelizes por dinheiro, e os pobres por um par de sandálias”[13], e para dizer, “Odeio e desprezo as vossas festas. Não me agradam os vossos cultos. ... Quero, sim, que a justiça corra como as águas, e que o que é recto, como um rio que nunca seca!”[14]
Levou séculos, séculos duros. Os israelitas, que foram escravos no Egipto cerca de uns 200 anos, depois de José, o da capa vistosa, colorida com mangas compridas, que foi vendido pelos irmãos para escravo mas chegou a ser governador de Egipto[15], até ao tempo de Moisés que nasceu como escravo no Egipto[16] mas chegou a ser o líder e profeta dos israelitas até chegarem à terra prometida[17], talvez quinze séculos antes de Cristo[18]. Durante todo este tempo, havia um “muro” entre os israelitas, o ‘povo escolhido’ por Deus, e todo o resto do mundo, a que os judeus chamavam de Gentios, durante o tempo em que Deus “ensinou” os judeus. Levou séculos, mas quando Deus soube que tinha chegado o tempo certo (uma coisa que Deus já sabia até antes da Criação: o tempo de Deus não é o nosso), Jesus, o Filho que era o Verbo Divino durante Criação, incarnou pelo Espírito Santo no ventre da Virgem Maria, e habitou entre nós.
Com os seus ensinamentos, mostrou as portas da vida eterna; com a sua morte, abriu as mesmas portas. Na sua morte, Jesus triunfou sobre o pecado e a morte, dando-nos a vida eterna. Com a sua morte Jesus não somente destruiu a morte, abrindo as portas à vida eterna, mas também destruiu o muro entre os judeus e os Gentios. Com Abraão, Deus-Pai escolheu um povo para si. Com a sua Incarnação, no seio da Virgem, com a sua morte, na Cruz, Deus-Filho escolheu todos os povos, para sempre. Com os seus dons espirituais, Deus-Espírito Santo possibilita que nós formemos o Corpo de Cristo, a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.
Mas, se Jesus Cristo destruiu o muro entre os povos do mundo, como é que estamos tão divididos? Como já disse... pecado. É o pecado do orgulho, orgulho e medo. E o medo também pode ser pecado, se tivermos medo porque não temos fé no amor de Cristo.
Ora. Se acho que não tenho muito valor, que não sou digno de respeito, digno de amor, digno das promessas de Cristo, há coisas que posso fazer.
Primeiro, posso ter a fé de que, apesar de não pelo meu mérito, pois daí não tenho salvação de jeito nenhum, o amor de Cristo é ainda tão grande que até um pecador (como eu) pode ser salvo, e depois fazer tudo quanto poder pelos outros, como acção de graças. Esta é a versão melhor, e que acontece menos (claro).
Segundo, posso trabalhar para ser melhor, e ser tão bom que mereça a salvação. Falhará. É impossível. Mas, poderia ser pior.
Terceiro, e mais comum. É dizer, “Eu não sou assim tão mau—olha para ele! Eu odeio pessoas como ele! Ele não tem valor nenhum!” A nível pessoal, estas pessoas são chatas. A nível dos grupos, esta é a justificação para todos os tipos de racismo, ou para todos os outros tipos de discriminação, como sexismo, discriminação etária, ou discriminação contra pessoas de outras religiões, quer Católicos Romanos que não gostam de Protestantes, ou Protestantes que não gostam de Católicos Romanos, quer Protestantes e Católicos Romanos que não gostam de Anglicanos porque somos ou Católicos demais para os Protestantes ou Protestantes demais para os Católicos Romanos, ou qualquer das três que odeiam os Islâmicos, e os Islâmicos que odeiam os Cristãos, e qualquer destas que não gostam dos judeus... etcetera, etcetera, etcetera.
E ao nível dos países, pode ser o pretexto para guerras, ou para os genocídios.
Para muitos de nós, nós que somos feitos por Deus à Sua própria Imagem, somente poderemos ser felizes se pensarmos que somos superiores a qualquer outro grupo. A única qualidade própria que temos é em contraste com alguém que nós pensamos ser pior, de menos valor. Os Americanos ou Ingleses acham que eles são o povo melhor do mundo, e que o resto do mundo só existe para os cuidar, são conhecidos nesta cidade de turismo.
Sou Americano—vou falar do meu país. Há muitos Americanos que não têm interesse nenhum em viajar, porque acham que nos Estados Unidos há tudo o que existe de bom no mundo. É por isso que Americanos não estudam outras línguas... Porquê? Os outros devem aprender inglês! Há muitos Americanos que querem construir um muro grande ao longo da fronteira com o México, por causa dos imigrantes ilegais... mais um substituto para o muro destruído por Cristo.
E não são somente os Americanos, claro. Os Italianos querem fazer a mesma coisa com os imigrantes da Bósnia, os Franceses com os árabes, os israelistas matam palestinianos que matam israelitas, as guerras em cada canto de África... Cada país quer um muro, e cada grupo dentro do país quer mais um muro, e cada pessoa no grupo vai precisar do seu próprio muro também... se não temos fronteiras, não podemos saber quem é “diferente”, e se não sabemos quem é “diferente”, não podemos saber quem é pior do que nós, e se não sabemos se alguém é pior que nós, só temos os nossos espelhos para ver os pecadores. Ai! Claro que temos medo!
É este mesmo o problema. É como disse S. Pedro: “Agora compreendo verdadeiramente que para Deus todos são iguais. Ele quer bem a todos os que respeitam e cumprem a sua vontade, sejam de que raça forem.”[19]
“...sejam de que raça forem.” As fronteiras do mundo não são de Deus. As fronteiras são feitas por homens, pecadores, e a maioria foram feitas com armas. O nosso Deus não fez os Estados Unidos: Ele fez a América do Norte. Deus não desenhou num mapa as fronteiras de Portugal—não foi Deus que deu a Galiza à Espanha. Deus, em Jesus Cristo, erradicou os muros entre os povos.
Não quero dizer que é mau, ter orgulho no seu próprio país, nem na sua cidade, ou na sua equipe (sou Portista!), ou na sua família. Eu até acho que as fronteiras entre países podem ter valor: a minha única ansiedade com a ideia da União Europeia é que Portugal e os outros países mais pequeninos podem perder as suas culturas particulares. Não quero morar em “Françamanha”: quero morar em Portugal!
Mas este orgulho nacional nunca pode ser tão forte que se torne num muro. A coisa mais importante é o Corpo de Cristo, e o Corpo de Cristo atravessa todas as fronteiras do mundo. Eu tenho muito mais em comum com qualquer um de vós do que tenho com um Americano que seja ateu. Só há uma “fronteira” com importância, que é a fronteira entre as pessoas que já são membros do Corpo e as que ainda o não são, e esta “fronteira” tem de ter sempre a porta aberta... mais, nós temos de convidar todos os que estão fora a entrar. Isto é a tarefa de que Jesus nos encarregou: “Foi-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto, vão e façam com que os povos se tornem meus discípulos. Baptizem as pessoas em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo ensinando-as a obedecer a tudo quanto eu tenho mandado. E saibam que estarei sempre convosco, até o fim do mundo.”[20]


Em o nome do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo. Ámen.


[1] Efésios 2, 14-15
[2] Actos 7, 58; 8:1, 3; 9,1-2
[3] S. Mateus 4, 1
[4] Deuteronómio 6, 16: “Não tentareis o Senhor, vosso Deus, como o tentaste em Massá.”
[5] Deuteronómio 6, 13-14: “Temerás o Senhor, teu Deus, prestar-lhe-ás culto e só jurarás pelo seu nome. Não seguireis outros deuses entre os das nações que vos cercam.
[6] S. João 13, 26-27
[7] Génesis 3, 5
[8] Efésios 2,14-16
[9] Génesis 1, 3
[10] S. João 1, 1 e 3
[11] Génesis 22, 1-14
[12] Josué 10 (ou qualquer outro capítulo!)
[13] Amós 8, 6
[14] Amós 5, 21 e 24
[15] Génesis 37, 3-4, 25-28,; 42,6
[16] Êxodo 2, 1-10
[17] Deuteronómio 34, 1-12
[18] “Exodus”, por John Gray, PhD, Interpreter’s One-Volume Commentary on the Bible, 1984, 1971
[19] Actos 10, 34-35
[20] S. Mateus 28, 18-20

15o Domingo Comum, Ano B, 12 Julho 2009

150 Domingo Comum, Ano B, 12 Julho 2009
Igreja do Salvador do Mundo, V.N. de Gaia
Cón. Dr. Francisco C. Zanger

Que as palavras da minha boca e a meditações dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti, Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor, em o nome do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo. Ámen.

Quando fui capelão militar, aprendi nos fuzileiros um modo de instruir em três passos, um modo bem eficaz: “Observe; Faça; Ensine”. Observe uma vez, para ver o que é preciso; faça uma vez, para entender como é feito, e depois ensine uma vez, porque, diziam eles, o único método de compreender verdadeiramente alguma coisa é ensiná-la aos outros.
Graças a Hollywood, todo o mundo sabe que a vida na tropa não é fácil, e nos fuzileiros — nos United States Marine Corps — pode ser até muito difícil. Mas eu, que passei onze anos nos Marine Corps e na Marinha Militar, posso dizer com toda a certeza: ter sido um dos doze Discípulos foi muito pior.
No terceiro capítulo do Evangelho de S. Marcos, o Evangelista escreveu que Jesus subiu a um monte e chamou para junto de si os seus discípulos, aqueles que quis[1]. Não sabemos quantos foram: no final do seu ministério de três anos, eram pelo menos cento e vinte[2], homens e mulheres, mas isto foi bem antes do fim. Designou de entre eles, lá na montanha, um grupo de doze homens para ficarem na sua companhia, e mais tarde enviá-los-ia a pregar, com o poder de expulsar demónios e curar enfermidades[3].
Mas antes de pregar, precisavam de ouvir e entender a Boa Nova; antes de expulsar ou curar, precisavam de ver Jesus fazer milagres. “Observe, Faça, Ensine”. E assim foi. Segundo S. Marcos, depois de serem escolhidos como apóstolos, primeiro ouviram as Parábolas do Reino, e também a razão das parábolas, as comparações, como a do Semeador [4], a parábola da Candeia[5], e as da semente e do grão de mostarda[6]. A seguir, viram Jesus fazer milagres e curas: acalmou a tempestade[7], curou um homem de Gerasa possuído com tantos demónios que lhe chamavam Multidão[8], e finalmente curou a mulher que perdia sangue[9], cuja história ouvimos o Domingo passado, e ressuscitou, no mesmo dia, a filha do Jairo[10].
Bem... e depois de tudo isto, de ouvirem as parábolas e verem os milagres, foi a sua vez! No Evangelho de São Marcos, o mais antigo dos Evangelhos, esta é a mesma ordem: ouvir, ver, fazer. Depois da cura da filha do Jairo, e uma visita a Nazaré, onde não foi bem recebido, Jesus enviou os apóstolos e enviou-os, dois a dois, para fazerem o que ele fez: pregar a Boa Nova do arrependimento dos pecados, expulsarem os demónios e curarem as enfermidades[11].
Porquê “dois a dois”? Porque nenhum deles estava a pregar e a curar por si mesmo, mas como representantes da nova comunidade de Jesus, da comunidade que, depois da Ressurreição, será a comunidade Cristã. Ainda não era: eles ainda não sabiam que Jesus não era somente o seu mestre, não era somente um profeta, nem era somente o Messias dos Judeus, mas era Deus e Filho de Deus, o mistério da Trindade. Ainda não sabiam porque não podiam. Não foi senão até à semana anterior à Transfiguração que Simão Pedro entendeu que Jesus era mesmo o Cristo, o Meshiach[12], e foi até mais tarde, depois da Ressurreição, que eles verdadeiramente entenderam: quando S. Tomé, o incrédulo, disse “Meu Senhor e meu Deus!”[13], que são as mesmas palavras que rezo quando levanto o Corpo, que foi pão, e o Cálice de Sangue, que foi vinho, em cada Culto Eucarístico.
Jesus, primeiro, escolheu os doze Apóstolos de entre todos os seus discípulos, depois ensinou-lhes com parábolas e mostrou-lhes as curas e os exorcismos dos demónios, e quando achou que estavam prontos, mandou-os, dois a dois, fazer o mesmo. Ele nunca pensou que poderiam fazer tudo quanto queriam por todo o mundo: ele próprio não pode fazer nada na sua própria aldeia! “Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa” disse, e não pode fazer ali nenhum milagre[14]. Nunca pensou que os apóstolos podessem fazer mais!
Não, em vez disso, ele deu-lhes a ordem, “Se nalgum lugar as pessoas não vos receberem ou não quiserem ouvir-vos, quando saírem dessa terra, sacudam o pó das sandálias, como aviso para essa gente.”[15] As suas responsabilidades eram só oferecer a Boa Nova, e não forçá-la.
“Observe; Faça; Ensine”. Os dois primeiros passos Jesus podia fazê-los, e necessitava de os fazer, muito cedo no seu ministério tão breve. Só teve três anos para escolher e ensinar os apóstolos, três anos em que eles precisavam de compreender uma mensagem incompreensível. Num tempo tão curto, entre seu baptismo por S. João no Rio Jordão e a Ascensão, Jesus necessitava de persuadir os seus discípulos, todos judeus, de que ele era não só um filho de Deus, mas o Filho de Deus, e que Deus também era Pai, Filho, e Espírito Santo ao mesmo tempo... mas, ainda assim, somente um Deus.
Esta ideia, que para nós é normal, era mais do que estranho: era heresia para os apóstolos. Num mundo panteísta, eles eram judeus, monoteístas. No centro da sua fé estava a Sh’má Yisroel: o seu credo, a sua prece mais importante, vinha das palavras do sexto capítulo do Livro do Deuteronómio, versículos 4 ao 9, que começa em hebreu: “Sh’má Yisroel, Adonai Elohênu, Adonai Echod”. Baruch shêm kevod malchutó leolám vaed.”[16], , ou em português, “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Bendito seja o Nome da glória do Seu reinado para todo o sempre.” E continua, “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou ficarão gravados no teu coração. Tu os inculcarás aos teus filhos, e deles falarás, quer estejas sentado em casa quer andando pelo caminho, quando te deitas e quando te levantas. Atá-los-ás à tua mão como sinal, e levá-los-ás como uma faixa frontal (“tefilin” em hebreu) diante dos teus olhos. Escrevê-los-ás nos umbrais e nas portas da tua casa[17],[18].”
A maioria dos apóstolos não eram cultos, sabiam estas palavras, porque as recitavam diariamente. E por causa disso, era-lhes bem difícil compreender que, de um lado, é verdade que só há um Deus, mas por outro, Jesus, este homem com quem eles andavam, que comia com eles, que vivia junto deles, era Deus, ou até pior, era Deus-Filho, uma das três Pessoas que eram um só Deus. Ai! Até para nós, dois mil anos depois, com milhares de teólogos a escrever livros e dissertações sobre o assunto, é impossível entender a Trindade: só concordamos com a doutrina, pela fé. Nem posso pensar como tenha sido difícil para os apóstolos ter acreditado em que Deus sendo embora ainda um só mas em três Pessoas diferentes, ao mesmo tempo que um Terço da própria Trindade andava ali ao lado deles e com eles mesmos!
Mas a fé que é necessária não vem de dentro de nós, não é “de carne nem de sangue”[19], mas é um dos dons de Deus: quer do Pai, como Jesus disse quando Simão Pedro exclamou "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”, quer do Espírito, como S. Paulo escreveu à comunidade Cristã em Corinto[20].
Desde o início, os apóstolos entenderam que o seu Mestre, Jesus, era especial, mas foi só com o tempo que eles poderam entender tudo. Não sei, mas acho que Jesus mudou, nas mentes deles, de um mestre sábio, para um profeta poderoso, depois para o Messias dos Judeus, mas que, só finalmente, depois da Ressurreição, eles conseguiram entender, poderam crer, que Jesus era verdadeiramente Deus. Isso não se deveu somente à Ressurreição em si mesma, mas também porque, nos cinquenta dias anteriores à Ascensão, Ele passou tempo com eles, mostrando não somente milagres, como passando por portas fechadas[21], ou colocando cento e cinquenta e três peixes grandes na sua rede quando eles nem tinham apanhado uma só sardinhita a noite inteira[22], mas, e muito mais importante, mostrando o Seu amor.
Quando Cleófas, que era o marido de Maria, a irmã da Virgem Maria, e o pai do S. Tiago e de José[23], e o outro discípulo caminhavam para Emaús, ambos tão tristes, Jesus andou com eles e ensinou-lhes as Escrituras, mas foi somente quando Ele tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes entregou, só quando celebrou a Eucaristia, é que eles “reconheceram o Senhor ao partir o pão”. Jesus ensinou-lhes sobre a fé, mas também os alimentou, porque nós precisamos das duas coias, a alma e o corpo.
Quando os apóstolos e os discípulos, cheios de medo, estavam com as portas fechadas, Jesus não só passou pela porta fechada para lhes dar o Espírito Santo, dando-lhes o poder de perdoar os pecados[24], como também comeu com eles: mais uma vez, a alma e o corpo.
Quando S. Tomé, que não estava lá quando Jesus aparaceu pela primeira vez, não acreditou que o seu Mestre, o seu amigo, podia estar vivo de novo, Jesus voltou, foi primeiro a Tomé e disse-lhe: “Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de fé!”[25], e assim, deixou Tomé em paz sobre as suas dúvidas. Para Tomé, o tocar do Corpo curou-lhe a alma.
Jesus cozinhou peixe para os apóstolos pescadores e, depois, do milagre da rede cheia de peixes, de Pedro exigiu um tríplice protesto de amor (“Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?” “Sim, Senhor, tu sabes que te amo” “Apascenta os meus cordeiros”)[26], um tríplice protesto de amor que anulou as três negações de Pedro antes da Crucifixão. Mais uma vez, alimentou corpo e alma.
De cada vez, mostrou o seu poder; de cada vez, mostrou o seu amor. E eles precisavam deste amor, porque depois da Ascensão, depois do Pentecostes, precisavam de guiar a Igreja nascente. Não foi nada fácil: nos primeiros anos, foram perseguidos pelos judeus, e depois pelos Romanos. Foi o tempo do terceiro passo do “Observe; Faça; Ensine”. Como apóstolos de Jesus, eles tinham feito os primeiros dois: agora, precisavam fazer o terceiro: ensinar outros na Fé Cristã.
E, com a ajuda do Espírito, a Igreja cresceu rapidamente, até todos os cantos do Império Romano. Antes da comunicação em massa, antes dos telefones ou radio ou televisão ou internet, antes da invenção dos aviões ou comboios ou carros, a propagação da Boa Nova tocou almas e mentes da Palestina para oeste até o Egipto, a Líbia e Trípoli (que agora se chama Marrocos), para o leste até à Índia, e para o norte e noroeste até Antioquia na Síria, a Galácia e Capadócia, a Filadélfia e Éfeso na Turquia moderna, a Corinto e Atenas na Grécia, a Tessalônica e Filipos na Macedónia, à Sicília e Roma em Itália, e até à França e Espanha... nas primeiras três centenas de anos! E tudo isso com uma religião que não só era estranha, pois falava de “comer o Corpo e beber o Sangue de Deus”, mas também era ilegal, e perseguida pelas autoridades!
Ouçam a diferença: “Mãe, não quero ir à Escola Dominical, porque quero ir à praia!”, ou “Mãe, não quero ir à Escola Dominical, porque não quero ser torturado com óleo a ferver e depois comido por animais selvagens!”. Mas a Igreja cresceu, e cresceu.
Não foi fácil, claro. Dos doze Apóstolos originais, somente um morreu na cama. Um, o traidor Judas, suicidou-se[27], cheio de arrependimento e tristeza, e todos os outros, menos S. João, que tomou conta da Virgem Maria[28], sofreram o martírio pela Fé: SS. Pedro e Paulo, segundo a tradição, ao mesmo tempo em Roma, com Pedro crucificado de pernas para o ar e Paulo decapitado com uma espada[29] pelo Imperador Nero, S. Tiago Maior foi martirizado pelo Rei Herodes Agrippa com uma espada, e S. Tiago Menor apedrejado em frente do altar em Jerusalém3 e André crucificado numa cruz em forma de ‘X’, S. Tomé, na Índia, e os outros quatro de maneiras também horríveis. Não foi fácil, nem para os Doze, nem para os outros discípulos de Cristo Jesus.
Não foi fácil ser Cristão, mas eles sabiam que valia a pena. Sabiam, porque tinham uma relação especial com o Senhor. Eles sabiam que este mundo nunca irá ser perfeito, mas também não era seu: esperavam, com esperança e alegria, pelo mundo que há-de vir. E também, quer aqui quer no mundo que há-de vir, tinham uma relação especial com Deus: uma relação diferente da das outras religiões. Tinham, e nós também temos, uma coisa maravilhosa: Jesus disse, “Vocês são meus amigos se fizeram aquilo que eu vos mando. Agora já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo quanto aprendi do meu Pai.[30]
“Chamo-vos amigos”??? Deus chama-me “amigo”, eu que nem mereço ser o servo do Senhor? Isso é uma maravilha incompreensível... e é também o centro, o coração da nossa Fé. Nós não somos somente os servos do Senhor, nem somente crentes: nós somos, pelo amor de Cristo, o Corpo de Cristo. Este amor é uma coisa grande de mais para que a compreendamos: só podemos aceitar. Aceitar, e responder. E a única resposta a este amor é, também... amor. Amor por Deus, e amor pelo seu Corpo no mundo, a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, o amor por toda a Criação de Deus.

Em o nome do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo. Ámen.


[1] S. Marcos 3, 13-19, S. Mateus 10, 1-4, S. Lucas 6, 12-16
[2] Actos 13, 15
[3] S. Marcos 3, 14-15
[4] S. Marcos 4, 1-20; S. Mateus 13, 1-23; S. Lucas 8, 4-15
[5] S. Marcos 4, 21-25; S. Lucas 8, 16-18
[6] S. Marcos 4, 26-29; S. Marcos 4, 30-34; S. Mateus 13, 31-32; S. Lucas 13, 18-19
[7] S. Marcos 4, 35-41; S. Mateus 8, 23-27; S. Lucas 8, 22-25
[8] S. Marcos 5, 1-18; S. Mateus 8, 28-34; S. Lucas 8, 26-39
[9] S. Marcos 5, 25-34, S. Mateus 9, 20-22; S. Lucas 8, 43-48-39
[10] S. Marcos 5, 35-43
[11] S. Mateus 6, 7-13
[12] S. Marcos 8, 27-30; S. Mateus 16, 13-20; S. Lucas
[13] S. João 20, 28
[14] S. Marcos 6, 4-5
[15] S. Marcos 6, 11
[16] El Cajon (CA) City Police Department Chaplaincy Manual, por Capelão Dr. Francis C. Zanger, 2000
[17] e continua: Veahavtá êt Adonai Elohecha, bechol levavechá, uv’chol nafshechá, uv’chol meodêcha. Vehaiú hadevarím haêle, asher anochí metsavechá haiom al levavêcha. Veshinan’tám levanêcha vedibartá bam, beshivtechá bevetecha, uv’lechtechá vaderech, uv’shoch’bechá uvcumecha. Uk’shartam leot al iadecha, vehaiú letotafot bên enêcha. Uchtavtám al mezuzot betecha, uvish’arecha. Numerosos judeus recitam-nos ao menos duas vezes por dia, e capelães da tropa americana (de qualquer religião) digam-nos aos fuzileiros e soldados judeus antes da sua morte em combate. * Os primeiros versículos são também o começo dos Mandamentos, na p. 144 da nossa Liturgia da Igreja Lusitana.
[18] Deuteronómio 6, 5-9
[19] S, Mateus 16, 17
[20] 1 Coríntios 12, 9
[21] S. João 20, 19
[22] S. João 21, 3-12
[23] S. Marcos 15, 40, 47, e 16, 1; S. João 19, 25; S. Mateus 27, 56
[24] S. João 20, 22-23
[25] S. João 20, 27-28
[26] S. João 21, 15-18
[27] S. Mateus 27,5
[28] S. João 19, 25-27
[29] Scorfiace, Capítulo XV, por Tertullian , Ano 145-220, de ‘Writings of the Ante-Nicene Fathers, Volume 3’
[30] S. João 15, 15

14o Domingo Comum, Ano B, 05 Julho 2009

14o Domingo Comum, Ano B, 05 Julho 2009
Igreja do Redentor, Porto
Cón. Dr. Francisco C. Zanger

Que as palavras da minha boca e a meditações dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti, Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor, em o nome do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo. Ámen.

Não somente ainda não vi o novo filme “O Exterminador”, o quarto ou quinto filme da série o Exterminador Implacável: nem sequer o quero ver. Não preciso, com a minha coluna, de me sentar durante quase duas horas num cinema para ver o Arnold Schwarzenegger, de quem não gosto, nem como actor nem como político, nem para ver os ciborgues a bater nos outros robôs ou nas pessoas. Chatices como estas não me interessam. Após tantos anos como capelão, quer da tropa quer dos bombeiros, já vi todas as explosões que preciso, ao vivo. Já vi as vítimas dos desastres, dos acidentes. Para mim, não é divertimento.
Mas, entendo a atracção. Como tantos filmes, é a força que é importante: os heróis precisam de usar toda a sua força (e talvez um pouco de inteligência) para obrigarem os vilões robotizados a retroceder... até a próxima sequência da série.
É um filme do tipo popular... a violência é sempre popular. No cinema, os protagonistas são fortes e atraentes, preparados para combater força com força, para ganhar a luta ou a história heróica. São os ‘James Bonds’ do mundo do cinema.
Nos últimos anos, o site do Superman e do Batman aumentou para incluir outras personagens “super”, como o Wolverine e Ironman (Homen do Ferro) e outros mutantes, e também os heróis e inimigos mecânicos, como os Exterminadores e os Autobots e Decepeticons dos Transformers, mas é sempre a mesma coisa. Os heróis usam a força para o bem e os inimigos para o mal, mas todos usam a força... eu nunca soube de um ‘Super-herói de Fraqueza’. “Homem-Aranha”, sim. “Homem-Franzino”, não.
E não é só na cultura popular. O que é que há de valor no mundo? Quando pensamos nos países mais importantes do mundo, não pensamos nos países que melhor tratam os seus povos, mas naqueles que têm mais bombas, os exércitos maiores, ou que são os mais ricos. Mas o que vale esta riqueza, se há pessoas sem pão na mesa?
O que é que há de valor no mundo? Quando pensamos nas pessoas mais importantes, em quem pensamos nós? Nas pessoas com poder, como os políticos, os Obamas e Sócrates e todos os que têm poder político, os que mandam em orçamentos e exércitos, que podem tomar decisões, que mudam a economia ou começam as guerras? Ou talvez naqueles que mandam nas corporações multinacionais, que podem mudar as fábricas da Europa e da América do Norte para a China e a Indonésia para aumentarem os seus lucros brutos, deixando milhares de pessoas sem emprego, e que nem pensam no clima se o lucro for suficientemente vantajoso?
O que é que há de valor no mundo? Talvez os melhores jogadores de futebol, como Bruno Alves ou Ronaldo ou Kaká, eles que ganham mais dinheiro em noventa minutos do que uma professora ou um enfermeiro conseguem ganhar num ano? Ou talvez pensemos nos actores portuguesas como Pedro Alves e Carla Salgueiro, Sandra Barata Belo e Ricardo Pereira, ou nos actores internacionais como o Tom Cruise, Julia Roberts e Penelope Cruz? Pensamos nos “stars” da música, quer grupos como Madredeus ou Mariza quer grupos de “hard rock” como as bandas Metallica e Guns-n-Roses americanas, ou bandas portuguesas como Ibéria ou “us&them” de Gaia?
O que é que há de valor no mundo? Ser famoso não é exactamente a mesma coisa que ter poder militar, mas é ainda ter poder. É bem fácil compreender que a coisa que tem mais valor na nossa cultura... a coisa que dá mais valor na nossa cultura... é o poder. É necessário ter poder para ser rico; é necessário ser rico para ter poder. É necessário ser poderoso, ou famoso, ou rico, se se quer ter qualquer valor na nossa cultura, no nosso mundo.
Bem. Então, como é que nós podemos entender a leitura da Segunda Epístola aos Coríntios? S. Paulo, o “Super-Apóstolo”, que venceu três naufrágios, tareias e prisões[1]... como é que ele pôde escrever: “De mim não me quero orgulhar, a não ser das minhas fraquezas.” ‘...das minhas fraquezas’??? O quê?
Há muitas diferenças, claro, entre a nossa cultura moderna e a cultura do primeiro século, quando S. Paulo escreveu as suas Epístolas. Mas num pormenor, a nossa cultura não é tão diferente do que a do primeiro século: acreditamos no poder, damos honra à potência.
E aqui, temos S. Paulo, um dos mais corajosos dos apóstolos, que viajou da Palestina até à Síria e à Turquia, de Creta à Grécia e à Macedónia, Itália e Espanha, que pregou a Boa Nova de Jesus Cristo apesar de ter sido encarcerado[2], flagelado três vezes com varas pelos romanos[3] e cinco vezes recebeu as trinta e nove chicotadas dos judeus, e até foi apedrejado[4], passou uma noite inteira no mar depois de um dos naufrágios, viveu com fome e sede, frio e falta de roupa[5], e tudo isto sem parar de evangelizar... ele foi mais heróico do que qualquer Indiana Jones ou James Bond! Como é que um homem como este pode dizer “Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas”: um homem que fez tanto, que parece tão forte... mas ainda assim só quer orgulhar-se na sua fraqueza?
É difícil entender isto. Mas temos de nos lembrar, Paulo não habitava no mundo criado por Hollywood, mas no mundo criado por Deus. Não só pregou a Boa Nova, mas acreditou na Boa Nova de Jesus Cristo: de Jesus Cristo. Qualquer tipo de heroísmo que tivesse feito não significava nada em comparação com a Boa Nova, e com a estima que tinha a Jesus Cristo: “Sendo Ele de condição divina, não se prevaleceu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte na Cruz.[6]
Quando falamos de força, não só do corpo mas de vontade de Paulo, que sobreviveu a tanto, precisamos de nos lembrar, como ele, que a sua força não foi nada quando pensamos em Cristo. Jesus, o Verbo Divino que estava no princípio junto de Deus na Criação, Jesus, que era verdadeiramente Deus, aceitou tornar-se humano, parte da Sua própria Criação, e foi concebido pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, ela, que os Ortodoxos chamam Theotokos, a ‘Portadora de Deus’. Jesus, que poderia nascer como rei, como imperador se tivesse querido, nasceu numa família trabalhadora, uma família ‘normal’, uma família que nem tinha dinheiro para o sacrifício maior do Serviço da Purificação quando José e Maria levaram Jesus ao Templo pela primeira vez.[7]
Se Jesus, que era Deus, abrangeu a fraqueza humana, Paulo não podia gabar-se da sua proeza! Paulo, que queria seguir o Senhor em todas coisas, só podia orgulhar-se da sua fraqueza, porque foi a fraqueza e a humildade o que Jesus mostrou como o Seu caminho, e porque foi com a Sua fraqueza, a humilhação nas mãos dos soldados romanos[8], a tortura da Cruz, e a morte—a morte!—de Deus, que Jesus Cristo venceu sobre a morte[9], e ganhou para nós a vida eterna[10].
Vivemos num mundo paradoxal. Os governos do mundo pagam mais pelas armas, que matam, do que pela comida para os seus povos, que dá a vida. Com o seu novo contrato com Real Madrid, Cristiano Ronaldo (que é o melhor jogador do mundo), vai ganhar mais dinheiro do que todas as enfermeiras no Hospital de São João... eu não fiz as contas, mas talvez mais do que todas as enfermeiras dos hospitais e todos os professores no Porto! Eu sei que o futebol é importante (não, é muito importante), mas porque pagamos aos jogadores de futebol (ou basebol, ou futebol Americano, que odeio), porque pagamos aos actores de cinema, porque pagamos aos directores gerais das companhias de Wall Street, muito mais do que às pessoas que salvam as nossas vidas, ou ensinam as nossas crianças?
Há uma razão. O mundo está dividido, rasgado pelo pecado. É o pecado que diz “Poder é tudo!”. É o pecado que diz que as pessoas que nos divertem têm mais valor do que as que nos alimentam ou ensinam ou cuidam. É o pecado que diz que a única ‘cruz’ com importância é ou Penelope ou Tom, e não a Cruz do Gólgota; que os Madredeus têm mais valor do que a Mãe de Deus. É pecado; é o pecado do mundo. Nada mudou desde o tempo em que a serpente convidou Eva e Adão para comer um lanche de fruta, lá no Jardim do Éden.
E nada vai mudar, neste mundo de trevas. Mas este mundo não é nosso: nós somos baptizados, para passar das trevas para a luz, do mundo para o Corpo de Cristo. Nós passamos por este mundo, sabendo que temos muito trabalho para fazer durante o tempo que cá passamos, mas sabemos também que só passamos: a nossa pátria verdadeira está no mundo que há-de vir. Sabemos disso: Jesus disse, falando sobre os seus discípulos e sobre todos nós que O seguirmos: “Não peço que os tires do mundo, mas sim que os preserves do mal. Eles não são do mundo, como também Eu não sou do mundo. Santifica-os pela verdade. A Tua palavra é a verdade. Como Tu me enviaste ao mundo, também Eu os envio.”[11]
Como individuos neste mundo, nós não temos poder, somos fracos. Somos pessoas normais, e não primeiros-ministros, ou jogadores de futebol, ou actores de Hollywood, ou directores de corporações multinacionais. Não temos importância nenhuma no mundo.
Não faz mal. Não precisamos de importância neste mundo: somos membros do Corpo de Cristo. Somos fracos, como individuos, claro. Uns de nós somos muito fracos, e precisamos de ajuda; outros somos mais fortes, e podemos ajudar. É nisto mesmo que está a força do Corpo de Cristo: não somos individuos sozinhos, mas somos partes de uma coisa maior do que todos nós. O Corpo de Cristo não é somente os membros desta paróquia, ou da Igreja Lusitana ou a Comunhão Anglicana. Nem é somente todos os membros da Igreja Uma, Santa, Católica e Apostólica, com todos os Anglicanos e Católicos Romanos e Ortodoxos do mundo. É tudo isto, claro, mas, porque Cristo existe no “tempo de Deus”, ou Kairos em grego, fora do tempo humano, que se chama Chronos, o Corpo de Cristo também existe fora do tempo humano. Todos os cristãos que foram baptizados durante os dois mil anos, desde o primeiro Pentecostes, são partes do Corpo, e todos os mortos que aceitaram o Senhor durante os três dias que Jesus esteve no lugar dos mortos[12] são partes da tal nuvem de testemunhas de que estamos cercados[13].
É por isso que não precisamos da ‘força’ deste mundo: a nossa ‘força’, que é do Espírito, é maior. Nós temos uma coisa que o mundo não tem. Temos esperança. Sabemos que este mundo não é tudo o que há, e temos esperança no mundo que há-de vir.
Mas, ainda temos de morar aqui, por enquanto. É por isso que também temos o Corpo de Cristo, porque nós podemos fazer muito mais, juntos na fé, do que poderíamos fazer, cada por si. O nosso modelo vem do livro dos Actos dos Apóstolos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma.”[14] Na altura, a comunidade dos crentes era ainda bem pequena, com menos de duzentos fiéis[15], e entendo que talvez o versículo seguinte seja um pouco forte demais para nós agora: “Nenhum deles dizia que os seus bens eram apenas seus, mas punham todo em comum”.[16] Com todos os crentes do mundo, isso seria mais do que difícil, mas não podemos fugir desta ideia bíblica, que cada um de nós tem uma responsabilidade para com os outros membros do Corpo.
Esta responsabilidade não deve ser financeira, claro. Há muitas outras coisas que são necessárias. Há pessoas, aqui nesta paróquia, na nossa cidade, na nossa Igreja Lusitana, no nosso mundo, que precisam de amizade, que precisam de um pouco de ajuda com qulaquer coisa, que precisam de oração. E há, também, membros do Corpo de Cristo, nossos irmãos e irmãs, que não têm pão na mesa, neste tempo de crise. Ninguém pode fazer tudo, mas juntos, não há nada que não possamos fazer.
E isto é a verdade, não porque unidos, nós possamos fazer mais... isto é a parte menor. Só o facto de serem “unidos” não resultou com os comunistas na Rússia, quando eles tentaram. Mas nós não somos somente um corpo: somos o Corpo de Cristo.
O que é que há de valor no mundo? O Corpo de Cristo, que não somos só nós, nem nós e a tal nuvem das testemunhas, mas todos nós e Jesus Cristo, verdadeiro Deus, sentado à direita do Pai. Nós precisamos de muito, mas não conseguimos fazê-lo. Mas “para Deus, não há nada impossível!”[17]

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen




Notas:
[1] 2 Coríntios 11, 25b
[2] Actos 24, 27
[3] Actos 16, 23
[4] Actos 14, 19
[5] 2 Coríntios 11, 23-28
[6] Filipenses 2, 5-8
[7] Levítico 12, 6-8
[8] S. Mateus 27, 26-31; S. Marcos 15, 15-19; S. Lucas 22, 63-64; S. João 19, 1-4
[9] S. Mateus 27, 24-27, 51-53; Actos 2, 24, 31-36; Romanos 6, 3-11
[10] Romanos 6, 22-23; 1 Timóteo 1, 16,; 1 João 511-12
[11] S. João 17, 15-18
[12] Credo dos Apóstolos, Liturgia da Igreja Lusitana, p. 254
[13] Hebreus 11, 32 – 12, 1
[14] Actos 4, 32
[15] Actos 1, 15
[16] Actos 4, 33
[17] S. Lucas, 1, 37

13o Domingo Comum, 28.06.09 [Ano B]

13o Domingo Comum, 28.06.09 [Ano B]
Igreja do Salvador do Mundo, Vila Nova de Gaia
Cónego Dr. Francisco Carlos Zanger

«Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor; em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo». Ámen.
De vez em quando, perguntam-me se escrevo as homílias em inglês e depois as traduzo, ou se as escrevo directamente em português. Ora, se já é demasiado difícil escrever um sermão em português... escrever primeiro em inglês, e depois traduzi-lo, seria impossível: as duas línguas são tão diferentes, e há palavras que nem podem ser traduzidas. Só um exemplo: não há uma palavra em inglês para saudade. Logo, se vou pregar em português, tenho de escrever em português.
E isto ainda é mais complicado. O próprio Evangelho sobre o qual estou a pregar foi traduzido para o português do grego. E não só: S. Marcos escreveu-o, fazendo já uma tradução. Os Israelitas falavam aramaico, mas, no Templo, falavam hebraico e, só para falar aos Romanos, usavam o grego. A nossa própria Bíblia é uma tradução de uma tradução.
O conhecimento disto é importante se queremos entender as Escrituras. Há palavras que lemos, palavras que nos parecem simples, mas que não significam aquilo que pensamos, e uma dessas palavras encontra-se, hoje, bem no meio do nosso Evangelho.
Para nós, o verbo curar significa “livrar alguém de doença por meio de adequado tratamento, ou sanar, ou restabelecer a saúde”[1]. Mas para os Judeus, “ser curado” tinha um significado muito diferente: significava “ser purificado”; significava “retomar a boa relação com Deus”. Uma pessoa impura não podia entrar no Templo, não podia louvar o Senhor com propriedade. A doença impura mais conhecida era a lepra, mas a lepra bíblica não era a mesma doença que nós conhecemos: a lepra bíblica podia ser lepra, sim, mas também podia ser herpes, ou até qualquer mancha luzidia da pele: qualquer doença de pele podia ser considerada lepra. E não era uma decisão tomada por um médico: era necessário ser tomada por um sacerdote, porque era um assunto religioso[2].
Também, qualquer coisa relacionada com o sangue podia ser impuro. Nas leis do Kashruth, que catalogam os animais puros e impuros[3], até dos animais puros, eles só podiam comer a carne, e nunca o sangue: antes de comer, era preciso tirarem todo o sangue, porque na lei bíblica, o sangue é considerado a base da vida [4].
Era por isso que mulheres eram consideradas impuras religiosamente depois do parto, ou durante sete dias depois do tempo do seu período: por causa do sangue perdido. E não era só a mulher que era impura: a impureza era contagiosa, e qualquer coisa que ela tocasse, quer a sua cama, quer uma cadeira, quer uma outra pessoa, ficava impura também. Se ela desse à luz um menino, durante um período de sete dias seguido de mais trinta e três, não podia tocar em nada de sagrado nem entrar no santuário, e se desse à luz uma menina, esse período era de sete dias mais sessenta e seis, porque uma menina, quando crescesse ia ser mulher, logo uma “base da vida”[5]. Parece paradoxal, mas aquela que era a base da vida também era impura. Os teólogos discutem muito acerca disto: há uns que acham que era devido ao sexismo da época, que uma menina tinha menos valor do que um menino, mas talvez fosse contrário: levava o dobro dos dias a uma mulher para se purificar por ter tido uma menina, precisamente porque ela podia vir a ser mãe. Se os judeus acreditavam que só Deus pode dar vida, e sabiam que eram somente as mulheres que davam vidas novas à luz, a importância das mulheres era maior, não menor, e por isso, elas precisavam de mais tempo para serem purificadas.
Uma outra causa de impureza não era a base da vida, mas a falta da vida. “Quem tocar no cadáver duma pessoa fica impuro, durante sete dias. No terceiro e no sétimo dias, deve aspergir-se com a água da purificação e então ficará puro. Aquele que tiver tocado no cadáver duma pessoa e não se tiver purificado, profana o santuário do Senhor e deve ser expulso da comunidade dos israelitas.”[6] E era ainda mais duro, devido ao mesmo contágio de impureza: qualquer outra pessoa que entrasse ou estivesse na casa aonde houvesse um cadáver, mesmo que tivesse morrido no momento, também ficava impuro.[7]
É preciso compreender tudo isto para entender o Evangelho que ouvimos hoje, para apreender quão estranho, quão maravilhoso, foram as coisas que Jesus fez. Quando Jesus e os seus discípulos chegaram à aldeia, estava á sua espera uma grande multidão. Um deles, um chefe da sinagoga chamado Jairo, apresentou-se, ajoelhou-se e pedia-lhe muito dizendo “A minha filha está a morrer. Vem, impõe as mãos sobre ela, para que se salve e viva!” Jesus foi com ele, e uma grande multidão o seguia, apertando-o de todos os lados.
Na meia desta multidão estava uma mulher que já há doze anos sofria duma doença, padecendo de uma perda de sangue. Sofrera muito nas mãos de vários médicos, gastando tudo quanto tinha, mas só piorava cada vez mais. Ela ouvia falar de Jesus como um homem santo, mas por causa da sua doença ela era impura, e nem lhe passava pela cabeça falar com Ele, ainda menos na presença de um dos chefes da sinagoga. Mas ainda tinha esperança: se pudesse só tocar nas roupas de Jesus, ficaria curada!
Abeirou-se por atrás de Jesus, no meio de multidão, e tocou-lhe na orla do seu manto. Imediatamente a hemorragia estancou e ela teve a certeza de estar curada. Mas Jesus sentiu que algum poder saiu d'Ele, voltou-se para trás, e perguntou: “Quem tocou as minhas vestes?”. A mulher ouviu, e ficou cheia do medo. Aproximou-se de Jesus, lançou-se-lhe aos pés, e contou-lhe toda a verdade. Mas Jesus disse-lhe: “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz, estás curada do teu mal”[8].
Isto era o oposto do Lei! A Lei dizia que esta mulher já estava impura há doze anos[9], por isso ela teve tanto medo quando Jesus perguntou: “Quem me tocou?”. Ela sabia que, normalmente, quando tocasse na roupa de Jesus, deixaria Jesus impuro também até à noite, e no mesmo momento que em estava a ir salvar a filha de Jairo, o chefe da sinagoga. Se Jesus ficasse impuro, não poderia nem sequer entrar na casa de Jairo!
Mas em vez de ficar impuro, Jesus purificou a mulher. Mais ninguém soube o que aconteceu: “curada do teu mal” não significava ‘curada da tua impureza’. Jesus sabia, e ela sabia, e isso era suficiente. Desta forma, ela podia retornar ao Templo, podia renovar a sua relação intíma com Deus, e louvar o Senhor como uma israelita pura, pela primeira vez em doze anos.
Infelizmente, no mesmo momento, chegaram algumas pessoas que vinham da casa de Jairo, anunciando: “Jairo, a tua filha já morreu. Não vale a pena incomodares mais o Mestre.” Ouvindo Jesus estas palavras, dirigiu-se ao chefe da sinagoga: “Não temas; tem só fé!” Jairo já tinha demonstrado a sua fé quando se apresentou a Jesus pedindo a sua ajuda. Mas a fé que Jesus agora ordenava era uma fé que contínua, até quando parece que tudo está perdido.
Jesus não permitiu que mais ninguém o acompanhasse, além de Simão Pedro, Tiago, e João, o irmão de Tiago. Ao chegar a casa de Jairo, entrou e viu o alvoroço, os que choravam e faziam lamentações. Mas Jesus disse: “Para quê todo esse barulho e esses choros? A menina não está morta! Ela está só a dormir!”. E eles riam-se d'Ele. Contudo, tendo Jesus mandado todos para fora, menos os pais e os seus três discípulos, levou-os ao quarto onde a menina estava deitada.
Jesus segurou a mão da menina, e disse-lhe: “Talitha cumi”, que significa em aramaico: “Menina, levanta-te! Sou Eu que te digo!” E a menina, que tinha doze anos, levantou-se e começou a andar. Jesus ordenou-lhes severamente que não contassem nada a ninguém, e disse-lhes para darem de comer à menina.
Mais uma vez, o oposto da Lei! A palavra que S. Marcos usou em grego quando escreveu ‘levantou-se’ é a mesma palavra para ‘ressuscitar’. A menina estava morta e, normalmente, se alguém tocasse no cadáver dela ficaria impuro. Jesus segurou a sua mão e, em vez de ficar impuro, ela ficou viva!
Em cada uma das duas histórias, a da mulher com a perda de sangue e a da filha morta de Jairo, Jesus afirmou que a coisa mais importante era a fé. “Minha filha, a tua fé te salvou.” “Não te assustes, tem só fé!” Antes da Sua própria Ressurreição, não podia ser ainda a fé em Jesus Cristo como Deus e sim no Pai, mas a fé era essencial. A Lei foi dada aos israelitas por Deus, e eles precisavam de lhe obedecer; mas a Lei era para os humanos, e Deus não está ao abrigo da Lei. Jesus, verdadeiro homem, pregava as Boas Novas; Jesus, verdadeiro Deus, podia pedir milagres a seu Pai, milagres que iam contra as leis, quer da Bíblia quer da física, para aqueles que tinham fé.
Há uma outra lei bíblica que Jesus “quebrou”, exigindo fé: muita fé. A Lei hebraica, dada a Moisés por Deus, há capítulos inteiros sobre os animais puros e impuros[10], e não era só proibido tocar num cadáver humano, mas também no cadáver de qualquer animal proibido[11], ou dum animal puro que tivesse morrido naturalmente[12]. A proibição contra o sangue é repetida muitas vezes4. Mas na Última Ceia, na noite em que foi entregue, Jesus tomou pão, deu graças ao Senhor, e disse: “Tomem. Isto é o meu corpo.” Depois pegou no cálice, deu graças, e disse: “Isto é o meu sangue.”[13]
Isto é o meu corpo? Isto é o meu sangue? Isto é impossível! Não podia haver maior violação da Lei! Comer o corpo de Jesus? Beber o Seu sangue?
Para nós, dois mil anos mais tarde, não é assim tão estranho, mas para os Judeus, que foram discípulos do Senhor, era chocante, escandaloso. Eles precisavam de ter fé, fé completa, fé quase esmagadora, em Jesus, para ouvir e acreditar nestas palavras. Mas tinham. E, por causa da sua fé, nós, hoje, podemos partir o Pão que é o Corpo de Cristo, para participar no Corpo de Cristo.
Quando ouvimos histórias das curas miraculosas, como ouvimos no Evangelho hoje, é fácil pensar somente na cura física... e quando temos membros da família ou amigos com doenças graves, queremos, rezamos para que tenham a mesma cura. Entendo... é normal. De vez em quando, pensamos que Deus não ouve as nossas orações, quando as pessoas que nós amamos não melhoram. Não sei quantos vezes ouvi “A culpa é minha; eu não tenho fé suficiente”, ou “A culpa é de Deus, ou não me escuta, ou não existe.”
Mas a culpa não é nossa nem de Deus. Quando rezamos por uma cura, temos de nos lembrar que a cura de Deus não é só física... a cura menor de Deus é a parte física. A cura de Deus é termos uma boa relação com o Senhor, completa, de alma e coração. Os sintomas físicos são temporários. Ser parte do Corpo de Cristo é eterno. As dores passam, quer nesta vida, quer na vida que há-de vir. A cura de Deus pode ser física, mas também pode ser coragem face às aflições, e a fé que nos faz saber que, de boa ou má saúde, estamos ligados ao Corpo de Cristo, que é eterno.
Isto não é fácil: nós queremos que as pessoas vivam sem doenças, sem dor, sem morte. E Jesus Cristo, Deus que encarnou e viveu como homem, que morreu em agonia, que viu a dor da sua mãe quando contemplava o seu único filho a morrer... Jesus entende como isto para nós é difícil. É por isso que Ele ainda está aqui, connosco, na Santa Eucaristia no altar, e no Corpo de Cristo que é a Igreja. Uma parte da ‘cura’ de Deus é o amor da comunidade, bem como uma parte do trabalho da comunidade é o amor, e o apoio de todos os membros por todos os membros.
Não temam. Lembrem-se das palavras de Deus, “...eu nunca te esqueceria. Eis que estás gravada na palma das minhas mãos.”[14]

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen




Notas:
[1] Dicionário de Português, Beiks LLC, 1998, 2005
[2] Levítico 13, 1-46
[3] Levítico 11, 1-46
[4] Génesis 9, 3-4; Levítico 7, 26-27; Deuteronómio 12, 23-25, e outros
[5] Levítico 12, 1-8; S. Lucas 2, 22 (caso da Virgem Maria ao nascimento de Jesus)
[6] Números 19, 11-13
[7] Números 19, 14
[8] S. Marcos 5, 25:34
[9] Levítico 15: 25-27
[10] Levítico 11; Deuteronómio 14
[11] Levítico 11, 24, 31-15
[12] Levítico 11, 39-40
[13] S. Mateus 26, 26-28; S. Marcos 14, 22-24; S. Lucas 22, 19-20; S. João 6, 53-56; 1 Coríntios 11, 23-26
[14] Isaías 49, 15b-16

12o Domingo Comum, 21.06.09 [Ano B]

12o Domingo Comum, 21.06.09 [Ano B]
Igreja do Redentor, Porto
Cónego Dr. Francisco Carlos Zanger

«Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor; em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo». Ámen.

Para entender este Evangelho, é preciso lembrar exactamente quem eram os discípulos do Nosso Senhor, e os primeiros quatro em particular, os quatro homens que Jesus encontrou quando estava a caminhar junto o lago da Galileia[1]. Os primeiros foram: Simão e seu irmão, André, e pouco tempo depois, mais dois irmãos, Tiago e João, os filhos de Zebedeu. Cada um dos quatro era um pescador profissional[2].

Também, como é dito no Evangelho de São João, depois da Ressurreição, quando sete dos onze Discípulos estavam numa casa à beira do Lago Tiberíades (o nome Romano para o lago da Galileia[3]), Simão Pedro disse aos outros, “Vou pescar,” e todos os outros quiseram ir também. Eles todos saíram da casa e meteram-se num barco, aonde passava a noite inteira, mas sem sorte[4].

Estes eram homens quem sabiam muito de barcos, sabiam muito do mar. Não eram “caloiros de passeio de barco”, para ficarem assustados com um pouco de vento ou umas ondinhas no lago. O lago da Galileia é famoso para suas tempestades inesperadas: na altura, e até nos nossas dias, pescadores profissionais morem afogados neste lago[5]. Ora, se os Discípulos, incluindo pelo menos quatro pescadores profissionais que bem conheciam este lago e os seus perigos estavam com medo, se eles achavam que estavam perdidos, era porque tinham razão.
Eles estavam quase maluco com medo, e seu Mestre, Jesus, estava... a dormir? As ondas eram tão altas que subiam por cima do barco, que se estava a encher de água, e Jesus continuava com a sua cabeça deitada na almofada! Eles despertaram-no, e perguntou, “Mestre, não vês que estamos perdidos?”

Então, Jesus levantou-se no barco (e, eu, que fui um capelão na marinha militar, posso dizer que até isso, de balançar de pé num barco no meio de uma tempestade, é quase um milagre!), e repreendeu o vento e disse ao vento, “Parem! Acalmem-se!”. Imediatamente o vento cessou, e seguiu-se grande bonança. E Jesus voltou-se para os Discípulos e perguntou-lhes: “Por que é que vocês têm medo? Ainda não tem fé?”.

Mas em vez de fé, eles, que eram ainda Discípulos recentes de Jesus, estavam era de facto com mais medo do que antes... eles podiam entender uma tempestade, mas quem era este homem que até mandava no vento e nas ondas?

Levou muito tempo para eles entenderem a resposta: o medo do Discípulos que ouvimos hoje no quarto capítulo do Evangelho do S. Marcos, quando eles afirmavam: “Quem é este homem, que até manda no vento e nas ondas?”, mudou no oitavo capítulo para a afirmação “Tu és o Messias!”[6]. Uma coisa é seguir o Senhor, ser membro da Igreja. Outra coisa é, ter a fé tão integrada na nossa vida, na nossa mente e alma que nem pensamos no medo.

É fácil ter medo, porque o mundo é medroso. Vivemos em tempos difíceis, assustadores. É a época dos “sustos grandes”, quase como uma guia alfabético: “A é para “Abrigo”: Por causa das guerras em Darfur e no Congo, há milhares das pessoas vivendo em campos de refugiados em África, mas também há muitos outros milhares mais sem-abrigo em todos os cantos do mundo: na China, há ‘refugiados nacionais’, camponeses que mudaram ilegalmente das cidades para procurar trabalho, trabalho que não existe mais; nas Américas do Sul e do Norte, com as favelas do Rio e com os pobres dos Estados Unidos, um país rico que não faz muito pelo seus pobres, e no México, e aqui na Europa, e não só no Leste mas em todo lado, incluindo aqui em Portugal.

“B é para Bombas” : o Correia do Norte está uma vez mais a brincar com armas atómicas e mísseis balísticos... a agora o Irão quer os mesmos brinquedos também. O trafico em armas, quer para governos quer para “movimentos revolucionários” quer para gangues e criminosos, é um dos únicos negócios que o Crise não afectou.

“C é para Crise” : Claro que é. A Crise mundial, que começou com uma mistura da avidez e de estupidez nos mercados de hipotecas americanas e mudou rapidamente para todos os mercados e bolsos do mundo, é um desastre para a maioria do mundo. Alguns dos ricos estão um pouco menos ricos, mas agora ninguém sabe quantas pessoas da classe média estão desempregadas, e para a classe operária, agora que tantas fábricas estão a fechar depois de passarem três ou quatro meses sem pagarem aos seus trabalhadores, são mesmos tempos difíceis estes.

“D é para Doença” : Os jornais e a televisão estão cheios de notícias sobre a pandemia de Gripe A H1N1, e cada dia que passa ouvimos mais noticias. Há somente três doentes no país inteiro, e cada um foi infectado fora do Portugal (um no Canada, outro nos Estados Unidos, e outro no México), mas é ainda uma gripe assustadora, porque está na televisão quase todos os dias, como estavam as doenças da vaca louca e a gripe das aves dos anos passados. Ao mesmo tempo, há outras doenças mais graves, mais perigosas, como a SAMR (‘staphylocci aurea, methicilina-resistente), uma infecção propagada nos hospitais que não está a reagir bem aos tratamentos antibióticos.

“E é para Ecologia” : Todo o mundo sabe que o clima está mudando, e se o aquecimento global continua, o Oceano Glacial Árctico vai continuar a derreter-se, de dissolver-se, e os níveis de água nos Oceanos Atlântico e Pacífico vão crescer... e daqui a mais um ou dois séculos, todas as cidades do mundo situadas à beira dos mares vão ser inundadas: no lado Atlântico, serão Lisboa e Porto na Europa, claro, e Amsterdão e Estocolmo, Valência e Barcelona, e Roma e Atenas, e tantas outras. Em África, Bissau vai desaparecer, juntamente com todas as maiores cidades de África ocidental, de Marrocos até África do Sul: Casablanca e Abidjan, Luanda e Cape Town, todas inundadas, pouco a pouco. Do outro lado do Atlântico, vai ser a mesma coisa: nas Américas, via ser um desastre: Halifax e Newfoundland em Canada, Boston, Nova Iorque e Philadelphia, Charleston e Miami, New Orleans (que já foi quase destruída pela furacão ‘Katrina’) e Houston; Tampico e Vera Cruz em México, e na América do Sul Caracas e Belém, Recife e Salvador, Rio e Porto Alegre, Montevideo e Buenos Aires... todas inundadas, perdidas.

Eu nem preciso de fazer uma lista das cidades no lado do Oceano Pacífico: é só preciso lembrar que a maioria da população do mundo vive na Índia e na China, e a maioria deles vivem perto do mar. Também, não falei sobre ilhas como a Madeira ou os Açores, ou Cabo Verde ou as ilhas Caraíbas como Cuba e Haiti, ou no Pacífico, as nações de Oceânia ou Japão... não é somente o facto cientistas pensaram que estas ilhas se vão afundar completamente, numas delas o processo já começou... faz três ou quatro anos desde que a pequena ilha nação de Nauru, ao nordeste de Austrália, tinha de evacuar a maioria dos seus cidadãos a Novo Zelândia, porque um grande parte do país estava debaixo da água!

Basta com isto. “F é para Fé” : É verdade que é fácil, acreditar que estamos em pleno mar, no meio de uma tempestade terrível. É verdade que é fácil, e é fácil porque é verdade. Todas as coisas na minha lista: os sem tecto, a multiplicação dos mercados dos armamentos mundial e o programa nuclear do Correia do Norte, a crise económica mundial, a facilidade com que as doenças graves podem ser transmitidas nesta altura do tráfego aéreo, e o mais assustador de tudo, as mudanças da clima mundial... cada um é verdadeiramente terrível, e juntas são mesmo verdadeiramente assustadoras.

Mas o tempestade no lago da Galileia foi também verdadeiramente assustador, e os pescadores profissionais estavam verdadeiramente assustados... mas Jesus Cristo ficou a dormir no meio do vento, da água no barco, do ruído do vento, com sua cabeça reclinada numa almofada.
Durante dois mil anos desde a tempestade, não havia tempo nenhum quando era “tempo boa”. As coisas podem dar a impressão de serem piores agora, por causa das comunicações mundiais: com a Internet, nós podemos ver fotos de um terramoto em Japão com quase o mesmo rapidez do que as Japoneses, e também fotos das crianças carenciadas em África, de um ataque militar em Iraque, de um choque na auto-estrada, e não sei que mais, sem sairmos das nossas cadeiras.
E com tudo isso, parece que o mundo está numa situação terrível, que está a afundar-se, e que nós todos vamos afogar a qualquer minuto... e que Jesus continua ainda a dormir, com a sua cabeça reclinada numa almofada.

Mas quando quero resmungar, tenho de me lembrar que a única razão pela qual Jesus estava a dormir era pelo facto de Ele saber que não havia verdadeiramente nenhum problema: o barco não estava em perigo de se afundar com Jesus lá dentro... e nós que somos o Corpo de Cristo também não estamos em perigo de nos afundar.

Tal não significa dizer que ‘ser-se Cristão é de ter uma vida perfeita”... todos nós já sabemos que isso não é verdade. Mas “ser-se Cristão” nunca foi somente um dos aspectos da vida neste mundo, e também uma vida fácil e simples nunca foi uma das promessas de Cristo.
Na porção da Segunda Carta que São Paulo escreveu aos Coríntios que ouvimos hoje, Paulo nem sequer falou sobre a vida dos Cristãos neste mundo, mas sobre uma das coisas mais importantes: a nossa relação com Deus. A nossa vida neste mundo é temporária, mas a nossa relação com Deus é eterna. É por isso que Paulo disse, “Em nome de Cristo vos peço, irmãos, que se reconciliem com Deus.”

Esta reconciliação só se realiza em Cristo. Não há nada que nós possamos fazer para nos reconciliarmos sozinhos, mas a boa noticia é que não precisamos. O Filho Unigénito do Pai, que nunca tinha cometido pecado, Deus o fez pecado por nós, para que n’Ele nos tornássemos justiça de Deus.

Ora: isso não é “justiça”. ‘Justiça’ é quando nós pagamos pelos nossos próprios pecados. Não, tal não é justiça: é Amor.

É por isso que S. Paulo escreveu, “...peço-vos que não recebais a graça de Deus em vão.” A comunidade dos Coríntios já era Cristã: isto não é um convite aos pagãos para se converterem e receber a graça de Deus. Não, isso foi escrito para os Cristãos, para pessoas como nós.
A graça de Deus foi-nos dada pelo amor do Deus, e para a não recebermos em vão, precisamos de responder com o mesmo amor, amor para Deus e para com toda a Sua Criação (e temos de nos lembrar que, na minha lista das coisas assustadores, elas são quase todas provocadas pela nossa culpa, a de humanos feitos á Imagem de Deus, e, se quisermos, somos capazes de arranjar, de aperfeiçoar muitos dos problemas!).

Temos de responder, com amor, ao Amor de Deus, e de nos lembraram sempre que vivemos no amor de Deus. S. Paulo citou as palavras do Profeta Isaías, “Eis o que diz o Senhor: No tempo da graça eu te atenderei, no dia da salvação eu te socorrerei.”[7]

É por isso que, num mundo cheio de coisas assustadoras, nós podemos olhar a tempestade de nosso barco sem nos assustar. Sabemos que nós temos o amor de Nosso Senhor sempre connosco. Sabemos que temos o Corpo de Cristo, a Igreja Uma, Santa, Católica e Apostólica, sempre connosco. Sabemos que, quando o vento é de mais, e as ondas começam a entrar no barco, não estamos sozinhos, e nunca seremos abandonados por Jesus Cristo, que como a Palavra[8], nós criou, e enquanto no Cristo que não conheceu pecado, aceitou de ser tratado como pecador, para nos salvar.

E por isso, damos graças a Deus.

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen.



Notas:
[1] S. Mateus 4, 18
[2] S. Mateus 4, 18-22; S. Marcos 1, 14-20; S. Lucas 5, 1-11
[3] The Macmillan Bible Atlas, 2º Edição,Y. Aharoni e M. Avi-Yonah, Macmillan Publishing, New York, 1968, 1977
[4] S. João 21, 1-3
[5] The Interpreter’s One-Volume Commentary on the Bible, C.M. Laymon, Editor, Abingdon Press, Nashville, 1988
[6] S. Marcos 8:
[7] Isaías 49, 8
[8] S. João 1, 1

11o Domingo Comum, 14.06.09 [Ano B]

11o Domingo Comum, 14.06.09 [Ano B]
Igreja do São João Evangelista, V.N. de Gaia
Cónego Dr. Francisco Carlos Zanger

«Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor; em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo». Ámen.
Não é que não tenho calendário: já sei que hoje é Domingo, o Décimo primeiro Domingo Comum. Mas hoje deve ser também o Domingo do Corpo de Cristo para mim, porque na ‘Holy Communion’, a minha igreja nos Estados Unidos, a Festa da Acção de Graças pela Instituição da Santa Comunhão[1] é também a nossa Festa Patronal. Quando pensei e roguei sobre a Festa durante esta semana, vi pela primeira vez que há um ‘movimento’, um ‘ciclo’ que começa com as festas da Ascensão, quando Jesus ascendeu para sentar ao direito do Pai, de Pentecostes, quando ele mandou o Espírito Santo para guiar a Igreja nascente, e do mistério da Santíssima Trindade, nesta semana passada, quando adoramos um Deus em Trindade, e a Trindade em Unidade, sem confundirmos as Pessoas nem dividir a substância... e que completou-se na quinta feira passada, com a Festa de Corpo de Deus no calendário português, ou com a celebração da Acção de Graças pela Instituição da Santa Comunhão no nosso calendário eclesiástico. Este ‘movimento’ começou com a Ascensão, uma coisa ‘relativamente’ inteligível, e manifestamente visível: Jesus Cristo, que depois de Seu ressurreição andava e falava com Seus discípulos durante quarenta dias, subiu ao Céu, mesmo em frente deles[2]. Até se não podia entender completamente o “como”, os Discípulos podiam entender o “quê”: que Jesus Cristo, o Filho, ascendeu ao Céu para sentar no lado direito do Pai.
A segunda, a Pentecostes, era menos inteligível, por eles e por nos, quem somos simplesmente humano, mas foi obviamente visível mesmo, quando depois dum ruído enorme, como um vento impetuoso, apareceu-lhes um espécie de línguas de fogo que desciam sobre cada um dos discípulos, e eles começou a falar em línguas que eles nem sabiam[3]. O “como” só podia ser pelo o poder Espírito que Jesus prometeu-lhes, mas o Espírito, ao contrário de Jesus na Ascensão, não “apareceu”: somente o poder do Espírito, as línguas de fogo, foi visível.
Mas o terceiro... a Festa do Domingo da Trindade é uma outra coisa inteira. Para uns dois mil anos, desde o Dia da Ascensão, o nosso Deus não era visível, e com a doutrina da Trindade, da Trindade em Unidade e Unidade em Trindade, mostrou-se incompreensível também... nós temos mentes limitados por ser humano, e o Deus é ilimitado. A Trindade é para além da nossa capacidade de entendimento: a Criação não pode entender o Criador[4]. Nós cremos pela fé, que não é a mesma coisa: saber, entender são coisas da mente, mas a fé é um dom espiritual[5].
Isto é até uma posição oficial da Igreja Católica inteira. Quando era seminarista, encontrei um Bispo da Igreja Ortodoxa Grega, um teólogo bem conhecido, catedrático no seminário Ortodoxo em Novo Iorque. Tão sábio, mas se alguém perguntou “Como é que as Três Pessoas podem ser um só Deus?”, ele só levantou as suas mãos ao ar e dizia “É um mistério santíssimo!”.
Isto é também a posição da Igreja Católica Romana: em 1870, o Concílio do Vaticano Primeiro disse que “A Trindade é um mistério absoluto no sentido que nós não podemos entendê-la, até depois de ser revelada. É um mistério escondido em Deus... e um mistério absoluto porque ficará assim para sempre”[6].
Mas agora, quase voltamos ao ponto de partida, com a Instituição da Santa Comunhão, ou Corpus Christi. Jesus Cristo, que estava ao lado do Pai e do Espírito Santo na Criação[7], que encarnou como um de nos, e não adoptou forma dum rei, dum imperador, como podia, mas encarnou como embrião humana para nove meses, e nasceu do seio da Virgem Maria. Verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Ele morreu por nos, e morrendo, pôs fim à morte; ressuscitando, Ele revelou a ressurreição das todos mortos.
Mas antes de morrer, na noite em que foi traído, Jesus tomou o pão da mesa, deu graças a Deus, partiu-o e deu-o aos Seus discípulos, dizendo, “Tomai, comei, isto é o meu Corpo.” E tomando o cálice e dando graças, deu-lho, e todos beberam dele. E Jesus disse-lhes, “Isto é o meu Sangue, o Sangue do Novo Testamento, que por muitos é derramado.”[8] E continuou com o mandamento, “Fazei isto em memória de mim”.[9]
E é isto mesmo que fazemos, cada semana, aqui neste altar a as altares do mundo inteiro, e nas muitas igrejas Anglicanas e Católicas, não só os Domingos, mas cada dia. Não há Domingo nenhum enquanto a Eucaristia não foi celebrado em dois mil anos; excluindo as Sextas-feiras Santas e os Sábados Santos, talvez não a dia nenhum em mais do mil anos sem a celebração da Eucaristia, dia nenhum em quem o povo de Deus não viu o Corpo e Sangue de Deus no altar de Deus. Este é o poder, o milagre, do Espírito, e da Igreja que é o Corpo de Deus.
Na Santa Eucaristia, num meio que não podemos entender mas só aceitar pela fé, Jesus Cristo é presente; o pão e vinho transformado-se em o Corpo e Sangue do Nosso Senhor. A Última Ceia, Jesus não disse “Isto é “semelhante” ao meu Corpo e Sangue”, mas “Isto é o Corpo e Sangue”. É um dos grandes mistérios da nossa fé, que Jesus Cristo, que foi a Palavra durante a Criação[10], o Cordeiro sem defeito[11] sacrificado por nossos pecados, a Segunda Pessoa da Trindade que foi elevado ao Céu para sentar ao lado direito do Pai[12], e que vai retornar do Céu ao Fim do Mundo, para julgar os vivos e os mortos no Juízo Final[13]... mas também está aqui, sobre Seu altar.
E é até mais complicado: quando Cristo Jesus encarnou na ventre da Virgem Maria, viveu 33 anos com corpo humano. Quando ressurgiu, ainda tinha corpo, e foi no corpo que foi elevado ao Céu, e no corpo que vai retornar para o Juízo Final. Ao mesmo tempo, Jesus está, de Corpo e Sangue, sobre todos as altares Católicos do mundo inteiro. Mas também sabemos que a Igreja é o Corpo de Cristo, e que nos, quem somos membros da Igreja Uma, Santa, Católica e Apostólica, são o Corpo de Cristo! Na sua Primeira Carta aos Coríntios, S. Paulo deixou isto absolutamente claro: “Deus dispôs o corpo de tal modo que deu maior honra aos membros que não a têm, para que não haver divisões no corpo e que os membros tenham o mesmo cuidado uns para com os outros. Se um membro sofre, todos os membros padecem com ele, e se um membro é tratado com carinho, todos se alegram com isso. Ora, vocês são o Corpo de Cristo, e cada um, de sua parte, é um dos seus membros.”[14]
Não, não posso explicar-lhe: a única explicação é o do Bispo Ortodoxo: “É um mistério santíssimo!”. Eu sei que agora nós vivemos num tempo, num mundo, muito ‘científico’. Pensamos que precisamos explicações cientificas para tudo, e que as coisas que os cientistas ainda não entendem são somente as coisas que irão um dia entender.
Precisamos de nos lembrar que todos os cientistas do universo só podem explorar e estudar e dissecar as coisas dentro do universo, e não o Criador do universo. Os cientistas estão limitados na sua exploração da Criação porque são partes da Criação: como nos, são criados. A ciência só pode estudar “como”; a Fé ensina “Quem”. A primeira é importante; a segunda, essencial.
E os mistérios da Fé são fora do “cúmulo cientifico”... nós não podemos entender-lhes, porque somos partes da Criação, somos criados, mas ao mesmo tempo somos convidados à ser partes deles: somos convidados à mesa. Não precisamos de explicações, de entender ‘como’ que é possível que o que era pão é agora o verdadeiro Corpo de Cristo, que o que era vinho é agora o verdadeiro Sangue. Isto é um assunto da Fé, e não de ciência. O que é que é importante e que somos convidados.
Mas... em inglês, há um provérbio bem velho: “There’s no such thing as a free lunch” , que significa ‘Não há almoços grátis’. Nós somos convidados a mesa do Senhor, porque somos baptizados para a Igreja Santa e Católica, baptizados com água[15] em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Mas nós quem somos convidados também temos de obedecer o mandamentos do Senhor que convido-nos, e em particular o Grande Comissão: que nós que já somos baptizados temos de pregar a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações[16], até que o mundo inteiro seria baptizado, convidado conosco à mesa do Senhor.
Nós somos uma Igreja muita pequena aqui em Portugal, e se olhamos nas estatísticas oficiais vão ver que Portugal é 98 porcento Católica Romana. Infelizmente, não credito. Acho que muitos, e talvez a maioria, dos jovens não há religião nenhuma: não é tão mal como uns países Europeus, mas não é bom. É como na Inglaterra, um país que é oficialmente Anglicano, mas aonde as estatísticas dizem que somente 35 porcento dos adultos crêem em Deus—o porcento em Espanha, um país Católica Romana como Portugal, foi 48 porcento... ainda menos do que um meio[17]. E estes adultos... que é que é que eles vão ensinar os seus filhos?
Aqui em Portugal, eu já encontrei missionários Mormones e das Testemunhas de Jeová, duas fés quem não aceitam os Credos que definam a Cristandade, porque eles não creditam que Jesus era o único Filho de Deus. Também encontrei pessoas (em Braga!) das seitas de Umbanda e Candomblé, duas seitas afro-brasileiras... e eles não eram brasileiros, mas portuguesas! [Quando visitei Fátima, vi numas das lojinhas quem vendem coisas religiosas estatuas da Iemanjá, a deusa do mar Africana do Umbanda, Candomblé, e Macumba, misturado com as estatuas da Virgem Maria! Não acreditei—precisava de tirar uma fotografia!]
Eu não tenho interessa em a evangelização das Católicas Romanas à nossa Igreja, bem como não tenho interessa em convertendo os Ortodoxas ao Anglicanismo: somos todos partes da Igreja Católica e Apostólica. Até não penso muito nas membros das igrejas protestantes, como as metodistas ou presbiterianos. Mas tenho muito interessa nas almas das pessoas quem não há crença nenhuma, ou quem creditam em coisas pagão ou herético. E não precisamos ser missionários para África ou Mongólia Externo... podemos encontrar pessoas com fé nenhuma aqui em Vila Nove de Gaia. Podemos entrar-lhes, e convidar-lhes, porque temos uma coisa que eles gostariam de ter... a promessa de vida eterna.
Há somente um problema com a Grande Comissão. No Evangelho do S. Mateus, aonde o mandamento é mais claro, é também impossível. Depois da Ressurreição, Jesus disse aos discípulos, “Portanto, vão e façam com que os povos se tornem meus discípulos. Baptizem as pessoas em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-as a obedecer a todo que eu tenho mandado”[18]. O problema é só isso: é impossível. Nós podemos falar, ensinar, pregar, mostrar... mas não podemos converter. Como já disse, a Fé é um dom espiritual—não pode ser “forçado”. Precisa do Espírito Santo.
E agora (finalmente!) chegamos ao Evangelho de hoje. Jesus disse aos Doze e os outros discípulos, “O Reino de Deus é assim: A semente é lançada à terra. Quer o semeador esteja acordado ou a dormir, ela nasce e cresce, sem ele saber como isto se passa. E a própria terra dá o fruto: aparece primeiro a planta, depois a espiga e mais tarde o grão.”
Nós somos — somente podemos ser — os semeadores. A nossa parte da Grande Comissão é para lançar a semente; o Espírito Santo faz de crescer. E ‘ser semeado’ não deve ser uma coisa que nós fazemos, mas que nós somos. ‘Ser semeador’ não é somente indo, porta à porta, perguntando “Vocês conheçam Jesus?”, na maneira de uns grupos protestantes. A melhor forma de evangelizar é de ser verdadeiramente Cristão.
Se o mundo sabe que você é Cristão (e melhor, Anglicana da Igreja Lusitana, claro!), e se pode viver uma vida feliz neste mundo, uma vida em que pode fazer o tempo para ajudar outros, uma vida em que fica sem aborrecimento apesar de todas as chatices da vida diária, de dominar as tentações deste mundo, seguro na esperança da vida que há-de vir, vai lançar sementes. As pessoas menos feliz, mais chateados com a vida, mais medrosos neste tempo de crise, vão perguntar, “Que é que é o seu segredo?”
Se há amigos que nunca não são religiosas, convidem-lhes para visitar uma vez, mas com gentileza... um semente empurrado profundamente de mais não vai chegar ao sol.
Talvez nunca vai saber se cresce ou não: isto esta nas mãos de Deus. Mas isto também é a responsabilidade de Deus. A nossa responsabilidade é de lançar a semente. E quando a semente cresce, primeiro a planta, depois a espiga e mais tarde a grão, vai crescer também a Igreja. Porque a Igreja, o Corpo de Cristo, e como um pão, feito como todos pães, de trigo, feito de grãos.
Quando comemos o Corpo de Cristo, sabemos que foi transformado do pão; pão feito de muitos grãos. E nós, quem somos o Corpo de Cristo, recebemos o Corpo de Cristo, e assim participamos no Corpo de Cristo: Sendo embora muito, somos um só corpo, porque todos partilhamos de um só Pão.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen

[1] Liturgia da Igreja Lusitana, p. 201
[2] Actos 1, 6-12
[3] Actos 2, 1-12
[4] Job 32, 1 – 42, 6
[5] 1 Coríntios 12, 9
[6][6] Catholicism, by Richard McBrien, Winston Press, 1o Edicão, 1980.
[7] S. João 1, 1-3
[8] S. Marcos 14, 22-24
[9] 1 Coríntios 11, 24-25; S. Lucas 22, 19
[10] S. João 1,1
[11] Êxodo 12, 5, S. João 1, 36
[12] Actos 1, 9-11
[13] S. Mateus 25, 31-6
[14] 1 Coríntios, 12, 24-27
[15] Actos 8, 36
[16] S. Lucas 24, 47
[17] Religious Views and Beliefs Vary Greatly by Country, According to the Latest Financial Times (FT)/Harris Poll, publicado 20.12.2006 , http://www.prnewswire.com/cgi-bin/stories.pl?ACCT=104&STORY=/www/story/12-20-2006/0004495063&EDATE=

[18] S. Mateus 28, 19-20
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