18 July 2009

15o Domingo Comum, Ano B, 12 Julho 2009

150 Domingo Comum, Ano B, 12 Julho 2009
Igreja do Salvador do Mundo, V.N. de Gaia
Cón. Dr. Francisco C. Zanger

Que as palavras da minha boca e a meditações dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti, Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor, em o nome do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo. Ámen.

Quando fui capelão militar, aprendi nos fuzileiros um modo de instruir em três passos, um modo bem eficaz: “Observe; Faça; Ensine”. Observe uma vez, para ver o que é preciso; faça uma vez, para entender como é feito, e depois ensine uma vez, porque, diziam eles, o único método de compreender verdadeiramente alguma coisa é ensiná-la aos outros.
Graças a Hollywood, todo o mundo sabe que a vida na tropa não é fácil, e nos fuzileiros — nos United States Marine Corps — pode ser até muito difícil. Mas eu, que passei onze anos nos Marine Corps e na Marinha Militar, posso dizer com toda a certeza: ter sido um dos doze Discípulos foi muito pior.
No terceiro capítulo do Evangelho de S. Marcos, o Evangelista escreveu que Jesus subiu a um monte e chamou para junto de si os seus discípulos, aqueles que quis[1]. Não sabemos quantos foram: no final do seu ministério de três anos, eram pelo menos cento e vinte[2], homens e mulheres, mas isto foi bem antes do fim. Designou de entre eles, lá na montanha, um grupo de doze homens para ficarem na sua companhia, e mais tarde enviá-los-ia a pregar, com o poder de expulsar demónios e curar enfermidades[3].
Mas antes de pregar, precisavam de ouvir e entender a Boa Nova; antes de expulsar ou curar, precisavam de ver Jesus fazer milagres. “Observe, Faça, Ensine”. E assim foi. Segundo S. Marcos, depois de serem escolhidos como apóstolos, primeiro ouviram as Parábolas do Reino, e também a razão das parábolas, as comparações, como a do Semeador [4], a parábola da Candeia[5], e as da semente e do grão de mostarda[6]. A seguir, viram Jesus fazer milagres e curas: acalmou a tempestade[7], curou um homem de Gerasa possuído com tantos demónios que lhe chamavam Multidão[8], e finalmente curou a mulher que perdia sangue[9], cuja história ouvimos o Domingo passado, e ressuscitou, no mesmo dia, a filha do Jairo[10].
Bem... e depois de tudo isto, de ouvirem as parábolas e verem os milagres, foi a sua vez! No Evangelho de São Marcos, o mais antigo dos Evangelhos, esta é a mesma ordem: ouvir, ver, fazer. Depois da cura da filha do Jairo, e uma visita a Nazaré, onde não foi bem recebido, Jesus enviou os apóstolos e enviou-os, dois a dois, para fazerem o que ele fez: pregar a Boa Nova do arrependimento dos pecados, expulsarem os demónios e curarem as enfermidades[11].
Porquê “dois a dois”? Porque nenhum deles estava a pregar e a curar por si mesmo, mas como representantes da nova comunidade de Jesus, da comunidade que, depois da Ressurreição, será a comunidade Cristã. Ainda não era: eles ainda não sabiam que Jesus não era somente o seu mestre, não era somente um profeta, nem era somente o Messias dos Judeus, mas era Deus e Filho de Deus, o mistério da Trindade. Ainda não sabiam porque não podiam. Não foi senão até à semana anterior à Transfiguração que Simão Pedro entendeu que Jesus era mesmo o Cristo, o Meshiach[12], e foi até mais tarde, depois da Ressurreição, que eles verdadeiramente entenderam: quando S. Tomé, o incrédulo, disse “Meu Senhor e meu Deus!”[13], que são as mesmas palavras que rezo quando levanto o Corpo, que foi pão, e o Cálice de Sangue, que foi vinho, em cada Culto Eucarístico.
Jesus, primeiro, escolheu os doze Apóstolos de entre todos os seus discípulos, depois ensinou-lhes com parábolas e mostrou-lhes as curas e os exorcismos dos demónios, e quando achou que estavam prontos, mandou-os, dois a dois, fazer o mesmo. Ele nunca pensou que poderiam fazer tudo quanto queriam por todo o mundo: ele próprio não pode fazer nada na sua própria aldeia! “Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa” disse, e não pode fazer ali nenhum milagre[14]. Nunca pensou que os apóstolos podessem fazer mais!
Não, em vez disso, ele deu-lhes a ordem, “Se nalgum lugar as pessoas não vos receberem ou não quiserem ouvir-vos, quando saírem dessa terra, sacudam o pó das sandálias, como aviso para essa gente.”[15] As suas responsabilidades eram só oferecer a Boa Nova, e não forçá-la.
“Observe; Faça; Ensine”. Os dois primeiros passos Jesus podia fazê-los, e necessitava de os fazer, muito cedo no seu ministério tão breve. Só teve três anos para escolher e ensinar os apóstolos, três anos em que eles precisavam de compreender uma mensagem incompreensível. Num tempo tão curto, entre seu baptismo por S. João no Rio Jordão e a Ascensão, Jesus necessitava de persuadir os seus discípulos, todos judeus, de que ele era não só um filho de Deus, mas o Filho de Deus, e que Deus também era Pai, Filho, e Espírito Santo ao mesmo tempo... mas, ainda assim, somente um Deus.
Esta ideia, que para nós é normal, era mais do que estranho: era heresia para os apóstolos. Num mundo panteísta, eles eram judeus, monoteístas. No centro da sua fé estava a Sh’má Yisroel: o seu credo, a sua prece mais importante, vinha das palavras do sexto capítulo do Livro do Deuteronómio, versículos 4 ao 9, que começa em hebreu: “Sh’má Yisroel, Adonai Elohênu, Adonai Echod”. Baruch shêm kevod malchutó leolám vaed.”[16], , ou em português, “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Bendito seja o Nome da glória do Seu reinado para todo o sempre.” E continua, “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Os mandamentos que hoje te dou ficarão gravados no teu coração. Tu os inculcarás aos teus filhos, e deles falarás, quer estejas sentado em casa quer andando pelo caminho, quando te deitas e quando te levantas. Atá-los-ás à tua mão como sinal, e levá-los-ás como uma faixa frontal (“tefilin” em hebreu) diante dos teus olhos. Escrevê-los-ás nos umbrais e nas portas da tua casa[17],[18].”
A maioria dos apóstolos não eram cultos, sabiam estas palavras, porque as recitavam diariamente. E por causa disso, era-lhes bem difícil compreender que, de um lado, é verdade que só há um Deus, mas por outro, Jesus, este homem com quem eles andavam, que comia com eles, que vivia junto deles, era Deus, ou até pior, era Deus-Filho, uma das três Pessoas que eram um só Deus. Ai! Até para nós, dois mil anos depois, com milhares de teólogos a escrever livros e dissertações sobre o assunto, é impossível entender a Trindade: só concordamos com a doutrina, pela fé. Nem posso pensar como tenha sido difícil para os apóstolos ter acreditado em que Deus sendo embora ainda um só mas em três Pessoas diferentes, ao mesmo tempo que um Terço da própria Trindade andava ali ao lado deles e com eles mesmos!
Mas a fé que é necessária não vem de dentro de nós, não é “de carne nem de sangue”[19], mas é um dos dons de Deus: quer do Pai, como Jesus disse quando Simão Pedro exclamou "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”, quer do Espírito, como S. Paulo escreveu à comunidade Cristã em Corinto[20].
Desde o início, os apóstolos entenderam que o seu Mestre, Jesus, era especial, mas foi só com o tempo que eles poderam entender tudo. Não sei, mas acho que Jesus mudou, nas mentes deles, de um mestre sábio, para um profeta poderoso, depois para o Messias dos Judeus, mas que, só finalmente, depois da Ressurreição, eles conseguiram entender, poderam crer, que Jesus era verdadeiramente Deus. Isso não se deveu somente à Ressurreição em si mesma, mas também porque, nos cinquenta dias anteriores à Ascensão, Ele passou tempo com eles, mostrando não somente milagres, como passando por portas fechadas[21], ou colocando cento e cinquenta e três peixes grandes na sua rede quando eles nem tinham apanhado uma só sardinhita a noite inteira[22], mas, e muito mais importante, mostrando o Seu amor.
Quando Cleófas, que era o marido de Maria, a irmã da Virgem Maria, e o pai do S. Tiago e de José[23], e o outro discípulo caminhavam para Emaús, ambos tão tristes, Jesus andou com eles e ensinou-lhes as Escrituras, mas foi somente quando Ele tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes entregou, só quando celebrou a Eucaristia, é que eles “reconheceram o Senhor ao partir o pão”. Jesus ensinou-lhes sobre a fé, mas também os alimentou, porque nós precisamos das duas coias, a alma e o corpo.
Quando os apóstolos e os discípulos, cheios de medo, estavam com as portas fechadas, Jesus não só passou pela porta fechada para lhes dar o Espírito Santo, dando-lhes o poder de perdoar os pecados[24], como também comeu com eles: mais uma vez, a alma e o corpo.
Quando S. Tomé, que não estava lá quando Jesus aparaceu pela primeira vez, não acreditou que o seu Mestre, o seu amigo, podia estar vivo de novo, Jesus voltou, foi primeiro a Tomé e disse-lhe: “Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de fé!”[25], e assim, deixou Tomé em paz sobre as suas dúvidas. Para Tomé, o tocar do Corpo curou-lhe a alma.
Jesus cozinhou peixe para os apóstolos pescadores e, depois, do milagre da rede cheia de peixes, de Pedro exigiu um tríplice protesto de amor (“Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?” “Sim, Senhor, tu sabes que te amo” “Apascenta os meus cordeiros”)[26], um tríplice protesto de amor que anulou as três negações de Pedro antes da Crucifixão. Mais uma vez, alimentou corpo e alma.
De cada vez, mostrou o seu poder; de cada vez, mostrou o seu amor. E eles precisavam deste amor, porque depois da Ascensão, depois do Pentecostes, precisavam de guiar a Igreja nascente. Não foi nada fácil: nos primeiros anos, foram perseguidos pelos judeus, e depois pelos Romanos. Foi o tempo do terceiro passo do “Observe; Faça; Ensine”. Como apóstolos de Jesus, eles tinham feito os primeiros dois: agora, precisavam fazer o terceiro: ensinar outros na Fé Cristã.
E, com a ajuda do Espírito, a Igreja cresceu rapidamente, até todos os cantos do Império Romano. Antes da comunicação em massa, antes dos telefones ou radio ou televisão ou internet, antes da invenção dos aviões ou comboios ou carros, a propagação da Boa Nova tocou almas e mentes da Palestina para oeste até o Egipto, a Líbia e Trípoli (que agora se chama Marrocos), para o leste até à Índia, e para o norte e noroeste até Antioquia na Síria, a Galácia e Capadócia, a Filadélfia e Éfeso na Turquia moderna, a Corinto e Atenas na Grécia, a Tessalônica e Filipos na Macedónia, à Sicília e Roma em Itália, e até à França e Espanha... nas primeiras três centenas de anos! E tudo isso com uma religião que não só era estranha, pois falava de “comer o Corpo e beber o Sangue de Deus”, mas também era ilegal, e perseguida pelas autoridades!
Ouçam a diferença: “Mãe, não quero ir à Escola Dominical, porque quero ir à praia!”, ou “Mãe, não quero ir à Escola Dominical, porque não quero ser torturado com óleo a ferver e depois comido por animais selvagens!”. Mas a Igreja cresceu, e cresceu.
Não foi fácil, claro. Dos doze Apóstolos originais, somente um morreu na cama. Um, o traidor Judas, suicidou-se[27], cheio de arrependimento e tristeza, e todos os outros, menos S. João, que tomou conta da Virgem Maria[28], sofreram o martírio pela Fé: SS. Pedro e Paulo, segundo a tradição, ao mesmo tempo em Roma, com Pedro crucificado de pernas para o ar e Paulo decapitado com uma espada[29] pelo Imperador Nero, S. Tiago Maior foi martirizado pelo Rei Herodes Agrippa com uma espada, e S. Tiago Menor apedrejado em frente do altar em Jerusalém3 e André crucificado numa cruz em forma de ‘X’, S. Tomé, na Índia, e os outros quatro de maneiras também horríveis. Não foi fácil, nem para os Doze, nem para os outros discípulos de Cristo Jesus.
Não foi fácil ser Cristão, mas eles sabiam que valia a pena. Sabiam, porque tinham uma relação especial com o Senhor. Eles sabiam que este mundo nunca irá ser perfeito, mas também não era seu: esperavam, com esperança e alegria, pelo mundo que há-de vir. E também, quer aqui quer no mundo que há-de vir, tinham uma relação especial com Deus: uma relação diferente da das outras religiões. Tinham, e nós também temos, uma coisa maravilhosa: Jesus disse, “Vocês são meus amigos se fizeram aquilo que eu vos mando. Agora já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo quanto aprendi do meu Pai.[30]
“Chamo-vos amigos”??? Deus chama-me “amigo”, eu que nem mereço ser o servo do Senhor? Isso é uma maravilha incompreensível... e é também o centro, o coração da nossa Fé. Nós não somos somente os servos do Senhor, nem somente crentes: nós somos, pelo amor de Cristo, o Corpo de Cristo. Este amor é uma coisa grande de mais para que a compreendamos: só podemos aceitar. Aceitar, e responder. E a única resposta a este amor é, também... amor. Amor por Deus, e amor pelo seu Corpo no mundo, a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, o amor por toda a Criação de Deus.

Em o nome do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo. Ámen.


[1] S. Marcos 3, 13-19, S. Mateus 10, 1-4, S. Lucas 6, 12-16
[2] Actos 13, 15
[3] S. Marcos 3, 14-15
[4] S. Marcos 4, 1-20; S. Mateus 13, 1-23; S. Lucas 8, 4-15
[5] S. Marcos 4, 21-25; S. Lucas 8, 16-18
[6] S. Marcos 4, 26-29; S. Marcos 4, 30-34; S. Mateus 13, 31-32; S. Lucas 13, 18-19
[7] S. Marcos 4, 35-41; S. Mateus 8, 23-27; S. Lucas 8, 22-25
[8] S. Marcos 5, 1-18; S. Mateus 8, 28-34; S. Lucas 8, 26-39
[9] S. Marcos 5, 25-34, S. Mateus 9, 20-22; S. Lucas 8, 43-48-39
[10] S. Marcos 5, 35-43
[11] S. Mateus 6, 7-13
[12] S. Marcos 8, 27-30; S. Mateus 16, 13-20; S. Lucas
[13] S. João 20, 28
[14] S. Marcos 6, 4-5
[15] S. Marcos 6, 11
[16] El Cajon (CA) City Police Department Chaplaincy Manual, por Capelão Dr. Francis C. Zanger, 2000
[17] e continua: Veahavtá êt Adonai Elohecha, bechol levavechá, uv’chol nafshechá, uv’chol meodêcha. Vehaiú hadevarím haêle, asher anochí metsavechá haiom al levavêcha. Veshinan’tám levanêcha vedibartá bam, beshivtechá bevetecha, uv’lechtechá vaderech, uv’shoch’bechá uvcumecha. Uk’shartam leot al iadecha, vehaiú letotafot bên enêcha. Uchtavtám al mezuzot betecha, uvish’arecha. Numerosos judeus recitam-nos ao menos duas vezes por dia, e capelães da tropa americana (de qualquer religião) digam-nos aos fuzileiros e soldados judeus antes da sua morte em combate. * Os primeiros versículos são também o começo dos Mandamentos, na p. 144 da nossa Liturgia da Igreja Lusitana.
[18] Deuteronómio 6, 5-9
[19] S, Mateus 16, 17
[20] 1 Coríntios 12, 9
[21] S. João 20, 19
[22] S. João 21, 3-12
[23] S. Marcos 15, 40, 47, e 16, 1; S. João 19, 25; S. Mateus 27, 56
[24] S. João 20, 22-23
[25] S. João 20, 27-28
[26] S. João 21, 15-18
[27] S. Mateus 27,5
[28] S. João 19, 25-27
[29] Scorfiace, Capítulo XV, por Tertullian , Ano 145-220, de ‘Writings of the Ante-Nicene Fathers, Volume 3’
[30] S. João 15, 15

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