22 March 2009

Sermão por o Quarto Domingo da Quaresma, Ano B (2009)

4º Domingo da Quaresma, 22.03.09 [Ano B]
Igreja do Redentor/ Porto
Cónego Dr. Francisco Carlos Zanger


«Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor; em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo». Ámen.

Hoje é o Dia dos Pais, e com razão: é o Dia dos Pais porque também é o Domingo mais perto da Festa de São Joaquim. Infelizmente, não sabemos muito sobre a história de Joaquim, o pai da Virgem Maria. A primeira informação que temos sobre ele foi escrita no Protoevangelho de Tiago, cerca do ano 150. Um “protoevangelho” é um livro sobre as coisas que aconteceram antes da história contada nos Evangelhos: o nascimento e a vida da S. Maria, e a infância de Jesus, por exemplo: o Protoevangelho de Tiago é talvez o mais bem conhecido. Na altura da Igreja Antiga era popular na Igreja oriental. Foi traduzido do Grego para nove outras línguas!, mas nunca fez parte da Bíblia, e é mais uma história interessante e didáctica do que algo de verdadeiramente importante para nossa fé ou salvação.
Esta história da devoção dos pais e do nascimento da Virgem Maria era bem conhecida desde o fim do segundo ou do terceiro século na Igreja d’oriente (a futura Igreja Ortodoxa), atingindo a sua plenitude no século VI. No ocidente, levou mais tempo, mas a veneração dos pais de Maria já era popular antes da Idade Média. A história deles no Protoevangelho de Tiago apesar de que não podia ter sido escrito por S. Tiago (o escritor não sabia muito sobre a vida dos Judeus!) [1], foi importante para a comunidade Cristã por razões normais; eles queriam saber mais sobre o seu Senhor, e este, e outros livros do mesmo tipo e altura falavam sobre a infância de Jesus. Especialmente antes de terem a Bíblia (que até ao fim do século quarto ainda não estava oficialmente completa), as comunidades Cristãs em locais diferentes tinham livros e cartas diferentes aprovadas pelos apóstolos, e foi só quando os bispos da Igreja, reunidos em Concílios da Igreja inteira e usando a lista do Bispo Atanásio de Alexandria, decidiram que os livros que nós temos agora, começando com os quatro Evangelhos, que o Novo Testamento que nós usamos agora se tornasse “oficial”. Os livros como o Protoevangelho de Tiago nem chegaram a fazer parte dos livros Deuterocanónicos.
Mas as histórias escritas no Protoevangelho já faziam parte da tradição Cristã. É de lá que “conhecemos” que Joaquim foi o irmão de São José, o padrasto de Jesus Cristo, e por causa disto, o feriado oficial na Igreja Anglicana é a 20 de Março, juntamente com o de São José (na Igreja Ortodoxa, é conjuntamente com o de Sta. Ana a 9 de Setembro[2], e na Igreja Católica Romana era a 19 de Março, e foi mudado para 6 de Agosto, e já há 30 e tal anos que se celebra juntamente com o de Sta. Ana a 26 do Julho[3]!). Eram idosos, ele e a sua mulher, Ana. Ela tinha 80 anos, e ele mais. Durante o seu casamento, ela foi estéril, e Joaquim foi censurado pelo sacerdote Rúben no Templo por não ter filhos. Então, confiando em Deus, Joaquim foi para o deserto para rezar e orar.
Durante o tempo em que ele esteve no deserto, um anjo visitou Ana, e disse-lhe que ela estava grávida e ia dar à luz uma filha. Ao mesmo tempo, um anjo apareceu a Joaquim, dizendo que Deus tinha ouvido as suas preces. Quando voltou ao lar, Ana correu (correu, com os seus 80 anos!) para o encontrar, e lhe relatar as suas noticias. E ela estava mesmo grávida, e deu à luz Míriam, a Maria, que seria a mãe de Deus. E, segundo a escritura, Joaquim e Ana tiveram uma segunda filha, também chamada Maria (tal como as famílias Portuguesas também eles davam o nome de «Maria» às filhas!), que ficou com ela ao pé da Cruz quando o seu filho Jesus foi morto pelos Romanos[4].
É uma história linda, e familiar: no Livro de Génesis, Sarai, a esposa de Abraão, também idosa de mais para ter filhos, deu à luz Isaac quando Abraão tinha 100 anos[5]; conhecemos também a de Ana que foi a mãe do profeta Samuel[6]; e, claro, a de S. Isabel, a mãe de S. João Baptista[7]. É uma história linda, mas será verdadeira? Quem sabe? Pode ser, pode não ser... e a nossa salvação não depende disto de jeito nenhum. É uma parte da nossa tradição, da tradição antiga da nossa Igreja, mas não é doutrina.
S. Paulo escreveu, na sua Primeira Carta as Coríntios uma frase que ouvimos a semana passada: “De facto, os judeus pedem milagres...” Pediram, e receberam, mas ninguém o reconheceu. O milagre que eles queriam, pelo qual eles esperavam, era o de um Messias que seria um grande guerreiro, que podia combater os Romanos e vencê-los, um Messias que podia conduzir Israel e o mundo numa era de paz e de prosperidade mundial. O que receberam foi o Filho de Deus, que podia conduzir o mundo ao Reino dos Céus.
Mas o milagre não começou com o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, nem com a Incarnação de Jesus, o Filho Unigénito de Deus, no seio da Virgem Maria. Antes da Incarnação, os idosos, Joaquim e Ana, tinha de ter o seu próprio milagre, quando ela, já idosa e estéril por tantos anos, ficou grávida. E antes disso, tantos outros milagres, todos os milagres do Antigo Testamento, para deixar que o pastor David fosse o Rei de Israel, e que este homem, Joaquim, pudesse ser seu descendente. A série de milagres que incluíram o nascimento de Maria para ser a Virgem Mãe de Jesus começou com o próprio Jesus : «No princípio de tudo, aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus e ele mesmo era Deus. Desde sempre ele esteve com Deus. Todas as coisas feitas foram feitas por meio dele, e sem ele nada foi criado. Nele estava a vida, e essa vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas, e as trevas não venceram.»[8]
A série, a sequência dos milagres começou com a Criação, e nunca mais acabará. Cada momento que temos é um parte da série dos milagres de Deus, todos interligados em modos que nós não podemos entender. As escrituras hebraicas ensinam que Deus estava no centro de tudo. É impossível ler os livros de Génesis ou o dos Salmos, ou Provérbios ou o Livro de Job, por exemplo, sem aprender isto. E estas eram as Escrituras de S. Joaquim, pai de Maria.
Nós aqui marcamos o Dia dos Pais no Domingo mais próximo das festas de S. Joaquim, o pai da Virgem Maria, e também do de S. José, Padrasto de Nosso Senhor. E no Dia dos Pais, é fundamental lembrar a importância que Joaquim teve na vida da jovem Maria, tal como a importância que S. José teve na vida de Jesus. Porque na altura deles, ainda não existia Escola Dominical para ensinar os miúdos na Fé. Quem o fazia eram os próprios pais.
Quando nós pensamos na história da vida de Jesus, normalmente começamos com a Anunciação, o momento em que o Arcanjo Gabriel apareceu a Maria, e lhe disse: “Avé, Maria, cheia de graça! O Senhor é contigo!” [9] E o anjo continuou, “Ficarás grávida e terás um filho, a quem vais pôr o nome de Jesus.” E Maria, esta miúda de talvez doze ou treze anos, respondeu: “Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.”[10]
Deus deu-nos livre-arbítrio, livre escolha. E sobretudo numa coisa tão grande como esta, Maria podia escolher, precisava de escolher... e não precisava de dizer ‘Servirei o Senhor como ele quiser. Seja como tu dizes’. Podia—podia dizer “não”.
Os seus pais tão idosos, Joaquim e Ana, mas especialmente Joaquim, dado que no primeiro século eram os homens que eram alfabetizados[11], tinham estudado a Lei e os Profetas, e educaram sua filha Maria na Fé judaica. Ela era uma filha bem-educada, talvez mais que o normal para uma filha, para uma menina, desta altura. A educação religiosa pertencia aos meninos e aos homens... e as coisas da casa eram para as mulheres. Mas esta menina bem-educada foi mais do que apenas “bem-educada” por Joaquim e Ana, que eram tão idosos. Maria foi um milagre de Deus. E por isso, ela foi educada, não só nas coisas da casa por sua mãe, Ana, mas também nas da Lei Sacra por seu pai, Joaquim.
Então, Maria, que no momento da Anunciação já estava noiva de São José, conhecia bem as leis sobre o casamento contidas no Livro de Deuteronómio. Na Lei, o contrato de casamento era entre o noivo e o pai da noiva: ela não tinha voz nenhuma no assunto. No caso da Virgem Maria, seu pai, S. Joaquim, assegurou que ela era uma virgem, pura e sem mácula, quando assinou o contrato com S. José... e também assegurou que ela seria ainda virgem, pura e sem mácula, no dia do casamento. Como era normal nesta altura, a jovem Maria continuou na casa dos pais durante o ano de noivado.
Mas, na Lei de Deuteronómio, se ela ‘quebrasse o contrato’: se, depois do casamento, o marido dissesse que ela não era virgem quando entrou no casamento, a Lei era simples. Se os pais da jovem não pudessem levar os sinais de virgindade[12], a veste com a marca de sangue, aos anciãos da cidade reunidos em tribunal, então, tal como estava escrito no Deuteronómio, «devem levá-la à porta da casa do seu pai e ali será apedrejada e morta pelos homens da sua cidade. É que ela cometeu no meio do povo de Israel a infâmia de se prostituir, desonrando a casa de seu pai. Dessa maneira, acabarás com este escândalo, no meio do teu povo.»[13] E, no caso duma menina que já estava, pelo menos, no terceiro ou quarto mês da gravidez, é claro que o tribunal não estaria muito interessado em quaisquer sinais de virgindade!
E Maria sabia bem disso, porque ela foi bem educada acerca da Lei por seu Pai. Ela sabia que, se ela dissesse “Sim” ao anjo, ninguém iria acreditar que ela fosse ainda virgem... e que deste modo ela podia morrer, apedrejada como prostituta, em frente à porta da sua própria casa.
Mas S. Joaquim não lhe ensinou só a Lei de Deus; mais importante, ele ensinou a sua filha no amor de Deus. Maria sabia, porque nisso foi educada pelo pai, que Deus a amava, e que, se o Anjo do Senhor lhe pedia uma coisa que parecia tão escandalosa, tão perigosa, era, de qualquer maneira, seguro. Maria sabia, porque aprendeu isto do seu pai, que o amor de Deus era até mais importante do que as Leis e os mandamentos. Se isto era o que Deus queria, isto que parecia tão difícil e perigoso, então tal era ainda uma coisa recta... e o que ela precisava de fazer. Ela não precisava de entender nem de saber ‘porque?’ — ela só precisava de ser obediente ao amor de Deus.
“Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.”[14]
Se não tivesse sido educada no amor de seu pai, S. Joaquim, estas palavras teriam sido impossíveis de pronunciar. Mas não foram impossíveis. S. Joaquim ensinou à sua filha o Amor de Deus, e para amar a Deus, e por causa disso, ela teve a confiança necessária para dizer ‘sim’ ao Senhor.
Mas pensem: se Joaquim nunca tivesse ensinado a sua filha a obedecer e a amar e a confiar no Senhor, Maria teria ficado assustada e não teria dito ‘Sim’ ao Arcanjo Gabriel... É impossível saber o que teria acontecido, para ela, para o mundo, e para nós. Mas foi por causa de seu pai, S. Joaquim, que ela teve confiança no Pai, em Deus. “E o Verbo encarnou, e habitou entre nós”.[15]
Esquisito, não é? Que um dos melhores modelos para os pais, possa ser este homem, este pai, que é talvez meio mitológico. Como já disse, não há nada na Bíblia sobre o pai da Virgem Maria.
Mas sabemos duma coisa bem importante sobre ele. O pai de Maria ensinou-a a amar e a servir ao Senhor, e o resultado foi a Salvação do Mundo. E esta é a lição que nós precisamos de ensinar às nossas crianças: não que eles podem salvar o mundo, claro, e isto não é o que a Virgem fez. A lição, a única lição, é esta: se nós ensinamos as nossas crianças a amar e a servir ao Senhor, Deus pode usá-las para fazer o que Ele quer, para este mundo e para o mundo que há-de vir.
Quais das nossas crianças serão chamadas por Deus para fazer alguma coisa importante? Quem sabe? Mas se eles estiverem preparados tal como Maria foi preparada por seu pai, se eles receberem o amor, a sabedoria, e a confiança que Joaquim deu a Maria, e que nós podemos, e precisamos, de dar às nossas crianças, Deus pode usá-las, tal como usou a Virgem.
E, nas palavras do Rei Salomão, «Filhos, oiçam as advertências dum pai; estejam atentos para adquirirem conhecimento. Pois a instrução que vos dou é boa; não abandonem os meus ensinamentos.»[16]

Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen.

[1] Early Christian Doctrines [Doctrinas Antigas Cristã] , by J.N.D. Kelly, Harper & Row:1972, p. 492
[2] http://www.goarch.org/chapel/saints_view?contentid=201
[3] http://www.mundocatolico.org.br/missalit.html
[4] S. João 19, 25
[5] Genesis 18, 10; 21, 1-3
[6] 1Samuel 1, 12-20
[7] S. Lucas 1, 36
[8] S. João 1, 1-5
[9] S. Lucas 1, 28
[10] S. Lucas 1, 38
[11] Na Idade Média, quando somente os clerigos cristãos podiam ler, quase todos os homens dos judeus podiam—é parte da sua cultura.
[12] Deuteronómio 22, 17-18
[13] Deuteronómio 22, 20-21
[14] S. Lucas 1, 38
[15] S. João 1, 14
[16] Provérbios 4, 1-2

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