10 January 2011

4° Domingo do Advento, 21.12.08 [Ano B] A Coragem duma Virgem

4°Domingo do Advento, 21.12.08 [Ano B]
Igreja de Redentor/Porto
Cónego Doutor Francisco Carlos Zanger

Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor; em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen.


"Eu te saúdo, ó escolhida de Deus! O Senhor está contigo." Ou, nas palavras talvez mais conhecidas, “Avé Maria, cheia de graça! O Senhor é contigo.”

Quando ouviu estas palavras, a jovem Virgem Maria ficou cheia de medo. Sabemos isto, porque logo a seguir as palavras do Anjo Gabriel foram: “Não tenhas medo, Maria.”

Os Anjos são assustadores; quando, na noite do Nascimento de Nosso Senhor, o anjo apareceu aos pastores que passavam a noite no campo guardando os rebanhos, a primeira coisa que o anjo lhes disse foi: “Não tenham medo!”. Agora, vimos anjos nas lojas e eles são giros, adoráveis, bebés dourados com asas... mas não é nada de “delico-doce” como um anjo verdadeiro; os anjos são os mensageiros de Deus. É por isso que eles dizem: “Não tenhas medo”— são medonhos.

E as palavras seguintes foram até piores: "Ficarás grávida e terás um filho, a quem vais pôr o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado de Filho do Deus Altíssimo."

À primeira vista, não compreendeu. Ela perguntou ao Anjo Gabriel (e isso também demonstrou a sua coragem, confrontando um anjo do Senhor!): “Como é que isso pode ser, se eu sou virgem?”. Mas o anjo respondeu-lhe: “O Espírito Santo descerá sobre ti e o poder do Deus altíssimo te cobrirá como uma nuvem. Por isso o que vai nascer é santo e será chamado Filho de Deus.” E o anjo disse a Maria que a sua parente, Isabel, que era casada com o sacerdote Zacarias, e era velha de mais para ter crianças, também estava grávida já no sexto mês, de um filho: filho este que seria São João Baptista: "É que para Deus não há nada impossível!”

Histórias e palavras tão familiares que quase nem lhes ligamos agora, mas que para uma miúda de doze ou treze anos, que estava desposada com um homem mais velho, um homem sério, um homem muito religioso numa cultura muita conservadora... estas eram palavras terríveis, palavras medonhas. Se ela tivesse tido medo quando viu o anjo, tal teria sido o fim do mundo.

Para compreender porque era tão difícil, precisamos de saber um pouco sobre a cultura israelita do Primeiro Século. Não se tratava só de os casamentos serem arranjados, mas também que o acordo de casamento era um contrato com força legal. O Império Romano não tinha interesse nenhum em assuntos como estes, desde que os Judeus pagassem os impostos, o “IVA Romano”, e continuassem como uma colónia pacífica, podiam continuar com as suas leis tradicionais, as leis Bíblicas.
A maioria das leis sobre os casamentos estavam escritas no vigésimo segundo capitulo do Deuteronómio. O contrato de casamento era entre o noivo e o pai da noiva, e menina não tinha voz nenhuma no assunto. No caso da Virgem Maria, seu pai, São Joaquim, assegurou que ela era uma virgem, pura e sem mácula, e assinou o contrato com São José. Como era normal, a jovem Maria continuaria na casa dos pais durante o ano de noivado.
Mas, na lei, se ela ‘quebrasse o contrato’, se depois do dia do casamento, o marido a acusasse de já não ser virgem na altura do casamento, a lei era simples. Se os pais da jovem não pudessem levar os sinais da virgindade aos anciãos da cidade, reunidos em tribunal, então, como estava escrito no Deuteronómio: "devem levá-la à porta da casa do seu pai e ali será apedrejada e morta pelos homens da sua cidade. É que ela cometeu no meio do povo de Israel a infâmia de se prostituir, desonrando a casa do seu pai. Dessa maneira, acabarás com este escândalo, no meio do teu povo." E, no caso de uma menina que já estava, pelo menos, no terceiro ou quarto mês da gravidez, o tribunal não estaria muito interessado nos sinais da sua virgindade.

E Maria sabia bem disso: ela era duma família religiosa, era bem educada. Ela era jovem, ainda entre menina e mulher, provavelmente já se tinha assustado antes do encontro com o anjo, assustado com o casamento, com a entrada no mundo dos adultos, mas ao mesmo tempo tudo era animado... todos os sentimentos, todas as esperanças que são naturais a uma noiva tão jovem. E agora, com as palavras do anjo, perdia tudo.

O que é que ela poderia dizer aos pais? Que está grávida, mas ainda é virgem? O que é que ela poderia dizer ao seu noivo, José? Ela bem sabia que, ao dizer “Sim” ao anjo, ninguém iria acreditar que fosse ainda virgem... e sabia que iria morrer, apedrejada como prostituta, em frente à porta da sua casa.

Mas... como é que ela podia disser que “não”? Ela era fiel, educada na Fé, e quando o anjo — um anjo de Deus(!) se aproximou... ela não podia dizer não, não ao seu Deus!

E não teve tempo para pensar. É impossível dizer a um anjo: “Posso pensar nisto por uns dias?”. Ela tinha de responder no momento e respondeu, não assustada mas com Fé : “Servirei o Senhor como ele quiser. Seja como tu dizes.”Ou, nas palavras mais tradicionais: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segunda a tua palavra.”

Falou assim, sabendo que talvez ninguém fosse acreditar nela, que o preço da sua obediência podia ser mais do que a vergonha, poderia ser a sua própria morte. Falou assim, esta jovem, por causa da sua fé. Falou assim, e, nas palavras do Anjo Gabriel, o Espírito Santo desceu sobre ela, e o poder de Deus altíssimo cobriu-a como uma nuvem.

E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós!

Esta jovem, esta miúda virgem, tinha tanta coragem! É por isso que ela tem um lugar especial na nossa Fé tal como está escrito no quadragésimo segundo versículo deste mesmo Evangelho, a Santa Isabel, parente da Virgem Maria e já grávida de nove meses de João Baptista, disse: “Abençoada és tu entre todas as mulheres e abençoado é o fruto do teu ventre!" e a Virgem respondeu, no Cântico de Maria “Daqui em diante toda a gente me vai chamar ditosa, pois grandes coisas me fez o Deus Poderoso. Ele é Santo!.”

Quando Maria aceitou a vontade do Senhor e o Espírito Santo desceu sobre ela, Deus que criou o Universo, Incarnou-se. Jesus Cristo entrou na sua própria Criação nesse mesmo momento. Ele, que era verdadeiro Deus desde o princípio, fez-se verdadeiro homem, nove meses antes do primeiro Natal, no seio de Maria.

É por isso que a igreja primitiva a chamava de “Theotokos” — a “Mãe de Deus”, ou literalmente, “a Portadora de Deus”, assim insistindo que o Messias era totalmente humano e totalmente divino a partir do momento da concepção; por conseguinte, a criança que nasceu não era somente uma criança humana com a divindade habitando nela, mas era uma Pessoa com duas naturezas distintas, a divina e a humana — o Deus-Homem, o Encarnado. O Verbo se fez carne, e habitou entre nós... e só para nos salvar!

Quando o Anjo Gabriel foi mandado a Maria, ela tinha que fazer uma escolha terrível. Podia dizer que “sim”, com o risco não só de uma gravidez vergonhosa e escandalosa, mas sabendo que a lei ordenava que ela fosse apedrejada, morta em frente da casa de seu pai... ou podia dizer que “não”. E se dissesse “não”, ninguém iria saber! Ninguém, excepto o próprio Deus. E ela, esta menina tão jovem e tão assustada, respondeu: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segunda a tua palavra.”

Nós raramente somos solicitados por Deus para pôr em risco as nossas vidas... mas as exigências de Deus ainda podem parecer difíceis, porque as exigências de Deus são frequentemente muito diferentes das exigências da nossa cultura moderna. Talvez nunca iremos precisar de comparecer em frente dos anciãos da cidade, reunidos em tribunal, e sentenciando a morte... mas temos de comparecer em frente dos nossos colegas, dos nossos amigos... em frente do “Tribunal da Cultura Secular”. E as nossas vidas seriam muito mais fáceis, mais calmas, mais agradáveis, se pudéssemos dizer que somos inocentes.

Mas não podemos. Quando tivermos que comparecer em frente do “Tribunal da Cultura Secular” só poderemos confessar que somos culpados... porque cada um de nós precisa primeiro de dizer: “Eis aqui o servo do Senhor. Faça-se em mim segunda a Sua palavra.”


Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen.

3° Domingo do Advento, 07.12.08 [Ano B]

3°Domingo do Advento, 07.12.08 [Ano B]
Igreja de S. João Evangelista/VN de Gaia
Cónego Dr. Francisco C. Zanger

«Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor; em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo». Ámen.

Vivam sempre em alegria!” Vivam sempre em quê? Assim começou a nossa segunda leitura, da Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses... com uma frase que até parece um contra senso. Estamos no Terceiro Domingo do Advento, esperando o retorno de Cristo e o Seu Juízo Final, e precisamos de viver ‘sempre em alegria’? Não seria muito mais fácil, e mais justo, viver no medo, no medo da condenação, e no medo de passar a eternidade no Inferno?


Esta é a contradição do Advento. Nós esperamos pelo Juiz do Mundo, por Aquele que conhece todos os nossos desejos e pensamentos, bons e maus, esperamos por Aquele que já disse que, cada vez que passamos por um mendigo com fome sem lhe dar comida, cada vez que sabemos de uma viúva idosa e sozinha e não a visitamos, ou que sabemos de um membro da Paróquia que está no hospital e não o visitamos, sabemos que este mendigo, ou esta viúva, ou este doente, “é um dos irmãos mais pequeninos” de Jesus, e no Juízo Final tudo isto será o mesmo que termos ignorado a própria pessoa de Jesus nessas ocasiões. E esperamos com esperança.

Esta é a contradição do Advento, podermos esperar sem medo por uma coisa tão medonha. É a contradição do Advento, e também a contradição da nossa Fé. Esperamos pelo Juízo Final, pelo julgamento de Deus, mas ao mesmo tempo sabemos que o tribunal não será “justo”, e sabemos que, se fosse um tribunal justo, e um Juiz justo, seriamos todos condenados.

Mas tal é a nossa Fé — a de que, no dia e na hora do Juízo Final, não será um julgamento de justiça, será um julgamento de amor. O nosso Juiz, Aquele que nos amou de tal modo que entrou na sua própria Criação, encarnou-se no seio da Virgem Maria e viveu como um de nós (quando podia ser rico, podia ser um rei, mas não, quis ser um homem normal, como um de nós mesmo), e morreu de um modo horrível e escandaloso, verdadeiro homem, mas ainda verdadeiro Deus ao mesmo tempo, e tudo isto só pelo seu amor a nós, e para a nossa salvação... é Ele que nos julgará! Não, este não vai ser um tribunal de justiça, graças a Deus. Será um tribunal de amor.

Mas, se será um julgamento de amor, também será um julgamento do nosso amor — e não só do nosso amor para todos os seres humanos criados por Deus, de todos nós que somos criados à Imagem de Deus, mas também do nosso amor pela Criação inteira. Nós somos os feitores da Criação, não somos os donos, mas os feitores, os “empregados” de Deus, desde que fomos criados. No primeiro capítulo do Génesis, Deus abençoou o ser humano, o primeiro homem e a mulher, desta maneira: «Sejam férteis e cresçam, encham a terra e dominem-na, dominem sobre os peixes do mar e as aves do céu e sobre todos os animais que andam sobre a terra.» [v.26]

Mas este 'domínio’ não significa que nós somos os novos proprietários, os ‘donos do mundo’! No Salmo Cinquenta, Deus disse: «...pois todos os animais dos bosques me pertencem, bem como os que se encontram nos altos montes; pois conheço bem as aves das montanhas, e os répteis do campo estão à minha disposição. Se eu tivesse fome não precisava de to dizer, pois o mundo e tudo o que ele contém pertencem-me.» Não, donos não somos, somos somente os feitores do dono... e quando o dono voltar, devemos estar preparados.

Não me lembro já de quantas vezes Jesus falou através de parábolas, de comparações, sobre a importância do nosso papel enquanto feitores, quando o dono não está presente na casa. No décimo segundo capitulo do Evangelho de São Lucas, Jesus disse que: «Como poderá mostrar-se fiel e prudente o empregado a quem o Patrão deixou a tomar conta dos outros... Feliz seja seráaquele empregado a quem o patrão, quando vier, encontrar a proceder assim. Digo-vos que certamente o fará administrador de todos seus bens.» [12,42-43], mas no outro lado, no mesmo capítulo do Evangelho, o «empregado, que conhecia a vontade do patrão, mas não se preparou nem fez nada de acordo com o que ele queria, será bastante castigado»[12,47].

Temos parábolas semelhantes nos outros Evangelhos também, como a parábola do Rei e do Administrador que Não Soube Perdoar, no décimo oitavo capítulo de São Mateus, e a comparação dos Rendeiros Criminosos no décimo segundo capitulo de São Marcos, e também a história da Cura do Empregado do dum Oficial Romano no oitavo capítulo de São Mateus — o Centurião do Exército Romano que, quando Jesus queria ir a casa dele para curar o seu empregado, respondeu : «Isso não, Senhor! Não mereço que entres em minha casa. Basta que digas uma palavra e o meu empregado ficará são. Também eu tenho os meus superiores a quem devo obediência e os meus soldados a quem dou ordens. Digo a um que vá, e ele vai. Digo a outro que venha, e ele vem.» O Centurião — ele que era pagão, que venerou o Mithras, o ‘deus’ dos soldados Romanos — ele entendeu! E Jesus ficou admirado, e respondeu:«Fiquem sabendo que ainda não encontrei ninguém com tanta fé mesmo entre o povo de Israel. Digo-vos mais : hão-de vir muitos do Oriente e do Ocidente sentar-se à mesa no Reino do céus com Abraão, Isaac, e Jacob, enquanto os herdeiros do Reino serão lançados fora, na escuridão!”» [8,5-13]

Palavras difíceis, estas! Na altura em que Jesus disse estas palavras, nem as pessoas do Oriente, da China ou Japão, nem as pessoas do Ocidente, quer as tribos europeias quer as tribos dos Índios das Américas, conheciam o Deus de Abraão, Isaac, e Jacob . Eram todos pagãos de um tipo ou de outro. Os herdeiros do Reino, na altura, eram o povo Hebraico, e depois da Ressurreição, também os Cristãos gentílicos que foram convertidos por São Paulo e outros evangelistas da nova Fé... mas levou séculos para o Cristianismo entrar na Europa inteira, um milénio e meio para as Américas, e ainda há lugares na China, na África, e nalgumas das ilhas do Oceano Pacífico aonde o nome de Jesus é completamente desconhecido. Dois mil anos, e ainda não podemos dizer que concluímos a Grande Comissão, a de pregar a mensagem sobre o arrependimento e o perdão do pecados a todas as nações.

Bem, tínhamos só três tarefas para o julgamento final. A primeira : Amar o Senhor e os nossos próximos, e tratar os nossos próximos da mesma maneira como tratamos a Jesus, tal como Ele disse: “Saibam também que todas as vezes que deixaram de (ajudar) a um destes meus irmãos mais pequeninos foi a mim que o deixaram de fazer”. Reprovamos !

Segunda: somos os feitores da Criação. Com a nossa historia de exploração do nosso planeta, com a desflorestação das grandes partes da Amazónia e da Rússia, com a extinção de tantos tipos de plantas e de animais, com a poluição dos rios e oceanos e o ar impuro, viciado, com o aquecimento global... a nossa solicitude para com a Criação não é muito visível! Reprovamos!

E terceira: a Grande Comissão — o mandamento de Jesus para levar a Boa Nova ao mundo inteiro. Dois mil anos mais tarde, num mundo com aviões, com rádio, televisão e a internet, quando podemos gastar milhões, não, biliões de Euros quer para guerras quer para os Jogos Olímpicos, há quantos mongólicos, ou Papuanos, ou Birmaneses, ou indígenas na Amazónia, que nunca ouviram sequer falar no nome “Jesus”? Reprovamos! Três mandamentos. e três Reprovações. !

E as primeiras palavras de São Paulo que ouvimos hoje, na sua Primeira Carta aos Tessalonicenses, são “Vivam sempre em alegria!” ? Preparamo-nos para o Juízo Final, sabendo bem que não temos resposta nenhuma para o Juiz... e necessitamos de viver sempre em alegria?

Sim! Claro que sim, porque tudo isto não tem nada haver com justiça, mas só com amor. Precisamos sempre de continuar, de tentar melhorarmo-nos, de ser Cristãos verdadeiros, e não só de nome... porque quando Jesus Cristo morreu na Cruz, Ele tirou-nos o peso terrível dos nossos pecados. É um amor incompreensível. "Vivam sempre em alegria e oração, e dêem graças a Deus por tudo. Esta é a vida que Deus quer de vocês, em união com Cristo Jesus... Que o Deus da paz vos torne totalmente perfeitos, e vos guarde dignos e irrepreensíveis de corpo e alma, até à vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aquele que vos escolheu é fiel e realizará o que prometeu." E por isto, damos graças a Deus!
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen.

2° Domingo do Advento, 07.12.08 [Ano B]

2º Domingo do Advento, 07.12.08 [Ano B]
Igreja do Bom Pastor/VN de Gaia
Cónego Doutor Francisco Carlos Zanger


«Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor; em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo». Ámen.

Hoje é o Segundo Domingo do Advento, e o Advento é principalmente um tempo de preparação. Para o mundo secular, é um tempo de preparação para as férias, talvez o tempo para comprar uma árvore de Natal, fazer uma festa para a família e de esconder os presentes do “Pai Natal” para as crianças.
Para nós, é diferente. Preparamo-nos para o Natal, claro... mas é muito mais importante que nos preparemos para acolher Jesus, não só como o bebé no presépio, mas como o nosso Juiz e deste modo preparamo-nos para o Juízo Final. Advento é tempo de lembrar a advertência do Evangelho do Domingo passado: “Estejam, portanto, vigilantes, porque não se sabe quando voltará”.
Estejam vigilantes — estejam preparados. O tema mais importante do Advento é este mesmo : preparação. Até podemos dizer que este é um dos temas mais importantes da nossa Fé Cristã; a preparação.

É por isso que o Evangelho de São Marcos, que é ‘a Boa Nova a respeito de Jesus Cristo, Filho de Deus’, não começa com Jesus, mas com um dos profetas maiores do Antigo Testamento, Isaías, e também com um do Novo Testamento, que é São João Baptista. Mas as nossas Bíblias ensinam que a preparação para a Incarnação e o Nascimento de Jesus, e também para o Juízo Final, começou bem antes do Novo Testamento — começou desde a Criação do Universo.
Como está escrito no Evangelho de São João : «No princípio de tudo, aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus, e ele mesmo era Deus. Desde sempre ele esteve com Deus.» Não podemos falar dum tempo ‘antes da Criação’ — o ‘tempo’ mesmo é uma parte da Criação.

Em Grego, a língua original do Novo Testamento, há duas palavras diferentes para traduzir a nossa palavra “tempo” e que são : — chronos e kairos. Chronos é o nosso tempo, o tempo linear — o hoje vem antes do amanhã, eu nasci depois dos meus pais mas antes dos meus netos... é o “tempo normal”, do passado, do presente, e do futuro. O chronos, o nosso tempo, é somente uma parte da Criação, a parte que começou ‘no princípio, quando Deus criou o céu e a terra”, no primeiro dia, e nas primeiras palavras do Livro do Génesis.

Kairos é completamente diferente. Kairos é o “tempo de Deus”, e para Deus, todos os nossos tempos são iguais. Ele pode ver o passado e o futuro ao mesmo tempo, porque Deus existe fora do tempo humano.

É por isso que o nascimento de Jesus é tão incrível — Deus, em Cristo Jesus, não só entrou na Sua própria Criação, como entrou no chronos também — entrou no tempo ‘humano’, como bebé, e viveu, e morreu, como um de nós. Nós falamos do sacrifício na Cruz, e foi um sacrifício horrível... mas Deus primeiro sacrificou o Seu próprio lugar fora do tempo humano, no kairos, para a ignorância, a dor e o medo do chronos. Só assim é que Ele pôde exclamar, no fim da vida, «Eloí, Eloí, lema sabactáni?» --"Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”

Jesus Cristo, a Segunda Pessoa da Trindade, entrou na sua própria Criação como um de nós, deixando a sua omnisciência, até deixando ao lado, nesse momento terrível na Cruz, a sua sabedoria de amor do Pai... só para nos salvar??? Como é que podemos entender um sacrifício como este? Como é que podemos responder?

Não podemos entender. Precisamos de responder.

Desde a Criação, a nossa resposta ao amor de Deus foi terrível, pecaminosa. E a culpa é só nossa dado que Deus mandou centenas de profetas para nos ensinar. Deus, vivendo no kairos, fora do ‘tempo humano’, soube bem que as mensagens dos profetas seriam ignoradas e passariam despercebidas, mas ao mesmo tempo, deu-nos o livre arbítrio, deu-nos a oportunidade de escolher, quer o bem quer o mal. E, vezes sem conta, escolhíamos o mal. Ignorávamos os profetas que tinham sorte, e matámos o resto... incluindo o último, São João Baptista. Este, embora tenha acabado a sua missão profética com a cabeça num prato, conseguiu primeiro completar a sua missão — preparou o caminho do Senhor!
O caminho foi bem preparado — esta é umas das mensagens do Advento : que Deus, vivendo e mudando em kairos, preparou tudo o que era preciso bem antes do primeiro Natal em Belém. Não foram somente as mensagens dos profetas, as profecias sobre o Salvador de Isaías e Jeremias e nos Salmos do Rei David, mas também as coisas mais concretas, mais pragmáticas.

Deus primeiro mandou o Anjo Gabriel ao sacerdote idoso, Zacarias, para lhe dizer: “Deus ouviu as tuas orações : Isabel, tua mulher, (também idosa) vai dar-te um filho e tu vais pôr-lhe o nome de João”, e alguns meses mais tarde, mandou o mesmo anjo à Virgem Maria, parente de Isabel, para a Anunciação : “Eu te saúdo, ó escolhida de Deus. O Senhor está contigo! Não tenhas medo, pois foste abençoada por Deus. Ficarás grávida e terás um Filho, a quem vais pôr o nome de Jesus.” E Santa Maria disse, “Servirei o Senhor como Ele quiser. Seja como tu dizes.”
Deus tinha de mandar o anjo pela terceira vez, a São José, quando ele ouviu que Santa Maria já estava grávida — o anjo apareceu num sonho e disse-lhe: “José, filho de David, não tenhas medo de casar com Maria, pois o que nela está gerado é do Espírito Santo; e dará à luz um filho, e chamarás o seu nome Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados!”.

São João nasceu antes de Jesus, porque tinha de preparar o caminho para o seu primo, nosso Salvador. São João, o último profeta da velha Aliança, o primeiro profeta da nova, proclamou a Boa Nova : “Arrependam-se do mal, recebam o baptismo, e Deus vos perdoará os pecados”. João sabia bem que não era o Messias, o Cristo –– foi ele que disse: “Eu baptizo-vos com água, para se arrependerem do mal. Mas o que vem depois de mim tem mais autoridade do que eu : nem sequer mereço a honra de lhe levar as sandálias!. Ele há-de baptizar-vos com o Espírito Santo e com fogo”.
Então, tudo isto foi a preparação do caminho para Jesus, preparação esta, que começou na Criação, como está escrito no Evangelho de São João, quando diz: “Nele estava a vida, e essa vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas, e as trevas não a venceram”. A preparação do caminho do Senhor continuou com as palavras dos profetas, como Isaías : “Pois bem, é o próprio Senhor que vos vai dar um sinal: uma virgem ficará grávida e vai dar à luz um filho e pôr-lhe-á o nome de Emanuel” que significa “Deus está connosco”, e também : “Alguém grita no deserto : preparem o caminho do Senhor e abram-lhe estradas direitas!”. [*Capítulos 7 e 40 do Isaías, na ‘Septuaginta’]

A preparação feita por Deus continuou com a pregação do primo de Jesus, São João Baptista, no deserto da região da Judeia, pregando o arrependimento do mal, e baptizando o povo no Rio Jordão, para a remissão dos pecados. E, como está escrito no nosso Evangelho, Jesus veio de Nazaré da Galileia e também foi baptizado por João Baptista no Jordão, e o céu abriu-se e o Espírito Santo, como uma pomba, descia sobre Ele, e Ele ouviu a voz do Pai, que dizia: “Tu és o meu Filho querido: tenho em Ti a maior satisfação!”.

E logo, o Espírito o impeliu para o deserto, aonde Jesus passou quarenta dias com os animais selvagens, foi tentado por Satanás, e era servido pelos anjos.
Quando saiu do deserto, começou pregando a Boa Nova sobre o amor de Deus, o arrependimento dos pecados, o Reino do Céu — mas também sobre o Juízo Final, quando Ele voltará para julgar o mundo. Vai ser um julgamento difícil, porque, como Ele disse no Evangelho de São Mateus, o nosso Juiz só quererá saber se vivíamos as nossas vidas com passividade ou compaixão — se dávamos comida para todos os que tinham fome, água para todos os que tinham sede, roupas para os que estavam nus...
Bem. Se o Advento é o tempo da preparação para o retorno de Jesus, para o Juízo Final, e se este Juízo vai ser sobre o nosso amor para com os outros... como é que nos preparamos?
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen.

Primeiro Advento, Ano B, 30-11-2008

1° Domingo do Advento, 30.11.08 [Ano B]
Igreja do Salvador do Mundo/VN de Gaia
Cónego Dr. Francisco C. Zanger


«Que as palavras da minha boca e a meditação dos nossos corações, sejam agradáveis perante Ti Senhor, nossa Rocha e nosso Redentor; em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo». Ámen.

Feliz Ano Novo! Já sei que hoje não é o primeiro dia do mês de Janeiro, mas hoje é o primeiro dia do calendário Eclesiástico, o Ano B, para todos os que usam as Leituras Bíblicas da nossa Igreja Lusitana e de todas as Igrejas Anglicanas.
O calendário Eclesiástico é um pouco diferente nos Estados Unidos; o Evangelho começa com o Versículo 24, em vez do 32, e neste caso prefiro o mais longo porque podemos ouvir estas palavras tão fortes: «Depois daqueles dias de sofrimento, o Sol ficará escuro e a Lua deixará de brilhar. As estrelas cairão e os poderes do céu hão-de estremecer. Hão-de ver então o Filho do Homem aparecer nas nuvens com grande poder e glória. E Ele enviará os anjos para reunirem os escolhidos de um extremo ao outro do mundo.»
Ai - isto é um drama! Tem emoções fortes, emoções de medo, mas também de esperança... porque estes versículos falam do fim do mundo, do fim do universo, do fim da criação inteira-- sem Sol, sem Lua, sem estrelas... de um tempo no qual a único luz vai ser Cristo, em todo o Seu poder. O mundo acabará como começou, na Criação — nas palavras do primeiro capitulo do Evangelho de São João, «Nele estava a vida, e essa vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas, e as trevas não a venceram.» E como foi no principio, assim será no fim. Jesus, que era mesmo Deus na Criação do universo, que fez-se homem e veio morar, e morrer, no meio de nós, é o mesmo Jesus que voltará em poder, em toda a sua glória e majestade, para o Juízo Final.
E vai ser um Juízo assustador, como ouvimos no Evangelho de Domingo passado, porque cada um de nós vai ser julgado, e por cada vez — cada vez! — que passámos por um mendigo sem lhe dar umas moedas, por cada vez que deixámos um idoso com fome sem lhe dar comida, por cada vez que passámos por qualquer pessoa que precisava de ajuda sem fazermos nada, o Juiz vai dizer : «Saibam também que todas as vezes que deixaram de fazer isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o deixaram de fazer.» Este Juízo Final, que acontecerá no fim do mundo, pode ser mesmo terrível.
Ora bem. Se soubéssemos quando é que Jesus vai voltar, talvez fosse tudo muito mais fácil. Se eu tivesse a certeza de que tinha ainda, oh... mais quinze ou vinte anos de vida, eu podia ‘brincar’ nos primeiros quatro ou cinco anos, e depois passaria o resto do tempo vivendo como um pequeno santo... e rezando e fazendo mais boas acções nos restantes quinze anos do que as más que tinha feito nos primeiros quatro ou cinco.
Isto é mais uma idiotice do que uma ideia, porque não vai dar, de maneira nenhuma. É impossível por três razões. Primeiro, eu já sei que não posso viver quinze anos como “anjinho” — eu, que nem sequer consigo viver quinze minutos como um anjo! Segundo, Jesus, o Rei da Glória e nosso Juiz, não esquecerá os pecados dos primeiros cinco anos, só porque tentei melhorar-me nos últimos quinze! E terceiro — e mais importante — é que sabendo que Cristo voltará, tal não é ainda suficiente. Sabemos que Ele vai aparecer nas nuvens, com todo os Seus anjos e arcanjos, com grande poder e glória, mas sabemos só o como, sem saber o quando, o que não se torna muito útil.
O Rei pode voltar daqui a mais mil anos, ou no ano que vem, ou antes do final deste Culto! E é por isso mesmo que sempre que começamos o Primeiro Domingo do Advento, começamos também o Ano Eclesiástico, assim, olhando para a frente, para o futuro. Quando o mundo secular está a pensar no Natal, nós não estamos a olhar para a chegada de um bebé, mas de um Juiz. O bebé é importante, claro, foi o bebé mais importante na história do mundo — mas quando o Juiz chegar, vai ser o fim deste mundo. Nós sabemos que devemos estar preparados para a chegada, mas é difícil, sem saber quando é que tal vai acontecer. Não somos só nós que não sabemos; nem os anjos do Céu, nem mesmo o Filho, quando Ele esteve cá connosco, sabiam. Depois do Dia da Ascensão, quando voltou para a direita do Pai, soube, claro, mas na altura, nem o Filho, que era verdadeiro Deus mas também verdadeiro homem, soube. Só o Pai Celestial sabia.
E é por isso que precisamos de estar sempre atentos, sempre preparados. Quando Nosso Senhor, depois da Ressurreição, ascendeu ao Céu, Ele deixou a cada o seu encargo de coisas para fazer. Era disso que Jesus falava, quando disse: «É como se um homem tivesse deixado a sua casa, partindo para uma viagem. Entregou a administração dos seus bens aos empregados, ficando cada um com o seu encargo, e deu ordens ao porteiro para que vigiasse. Estejam, portanto, vigilantes, porque não se sabe quando voltará o dono da casa.».
O dono da casa é Jesus Cristo, claro, que “deixou a casa” quando subiu aos céus para se sentar mais uma vez à direita do Pai. Nós, que somos Cristãos, somos os empregados que Ele deixou para administrar os seus bens aqui na terra, cada um de nós com o seu próprio encargo... mas os encargos são todos semelhantes. Até podemos dizer que são somente quatro, e são todos bem familiares.
O primeiro é este : ‘Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com todo o teu entendimento. Este é o primeiro e mais importante dos mandamentos’.
O segundo, tão importante como ele é: ‘ama o teu próximo como a ti mesmo’. Tão importante, sim, mas fácil, não. Quando Jesus disse o “teu próximo”, Ele não estava a falar da pessoa sentada ao seu lado, aqui na igreja. Tal seria fácil de mais. Não, para entender Jesus quando Ele disse o “teu próximo”, temos de lembrar a parábola, a comparação do ‘samaritano de bom coração’ no décimo capitulo do Evangelho de São Lucas, e também lembrar o Evangelho da semana passada, do vigésimo quinto capítulo do Evangelho de São Mateus. O ‘nosso próximo’ é todo o mundo! O ‘nosso próximo’ é cada um “destes meus irmãos mais pequeninos”, criado à imagem de Deus.
O terceiro encargo é a Grande Comissão, dada por Jesus minutos antes da sua Ascensão — «Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura.». Isto não pode ser interpretado literalmente, claro — qual de nós consegue ir por todo o mundo? É um mandamento para toda a Igreja, e não para pessoas individuais. Mas como membros da Igreja una, santa, católica e apostólica, precisamos sempre de recordar que não somos somente membros nem do Salvador do Mundo nem da Igreja Lusitana mas do Corpo do Cristo mundial, e de lembrar que ainda há um quarto da população mundial que nunca ouviu falar sequer do nome de Jesus Cristo. O que é que nós podemos fazer para ajudar a Igreja no trabalho de Evangelização?
É importante, pensar nestas coisas. É importante, porque, quando o dono deixou a sua casa, ele entregou-nos, a nós, seus empregados, a administração dos seus bens — as vidas e as almas do Seu povo. Quando Jesus foi levado ao Céu e voltou ao Seu lugar à direita de Deus, deixou para nós, a Igreja, estes encargos tão importantes. Deixou estes três, e também um quarto — estejam vigilantes!
Não sabemos quando Nosso Senhor voltará. Os primeiros Cristãos, na época de São Paulo, achavam que seria durante as suas próprias vidas. Mais tarde, outros pensavam que Jesus regressaria no final do primeiro milénio, e mais tarde ainda, outros no fim do segundo, e estavam todos errados. Ninguém sabe quando Jesus voltará, e é por isso que precisamos de estar sempre bem atentos, sempre vigilantes.
Mas... também podemos dizer que... tal não é o mais importante. Não será tão importante, se nós vivermos as nossas vidas fazendo as coisas que Ele mandou. Se todos amarmos o Senhor nosso Deus com todo o nosso coração, com toda a nossa alma, e com todo o nosso entendimento, e se amarmos os nossos próximos; se todos ajudarmos a Igreja a crescer conforme as possibilidades de cada um... e se tudo isto for feito não pelo medo do Inferno mas por amor a Deus que tanto deu por nós, ainda podemos estar vigilantes — mas, porque amamos o ‘dono da casa”, e queremos que Ele voltará!
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Ámen.
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